Ramon Diego 09/07/2016
O professor: uma aula sobre a racionalização da existência
Esta belíssima obra de Cristovão Tezza, intitulada "O professor", merece sim um texto, por isso venho ao blog, depois de algum tempo, escrever sobre esse romance do escritor curitibano.
Publicado em 2014 pela editora Record, o livro vale-se do discurso indireto livre para compor sua narrativa, apoiando-se nitidamente em memórias do narrador-personagem, evocadas em um tempo psicológico, que se confundem com fatos e ações que tanto teriam acontecido como poderiam acontecer, diante da digressão labiríntica do romance.
A narrativa conta-nos a história de Heliseu, professor de Filologia românica, que receberá uma homenagem de mérito acadêmico e que, por força desse evento, pensa em um discurso, na medida em que faz uma autoanálise de sua conturbada vida pessoal. A digressão do narrador, que inicia-se no café da manhã e dura até o momento de vestir-se para a cerimônia, resgata sua relação problemática com sua esposa e filho, além de uma paixão, Therèze, aluna franco-brasileira com a qual tivera um breve relacionamento por meio da orientação de uma tese.
Com sua postura extremamente reacionária em relação à forma de lhe dar com as pessoas, esse professor isola-se em um casulo acadêmico e tem toda sua vida baseada em uma teoria, a queda das consoantes intervocálicas. Mesmo reconhecidamente exitoso em sua tese acerca desse tema, ele vê-se extremamente solitário por saber que, quase aos 70 anos de sua vida, nada fez senão dedicar sua existência a um conhecimento teórico acerca da língua portuguesa.
“O envelhecimento nos seca, senhoras e senhores, vamos nos encolhendo, o orgulho desaba...” (p.82).
Heliseu, como muitos de nós, tenta, em vão, encontrar um significado para sua existência por meio da justificação do trabalho, de sua importância acadêmica para a produção intelectual ou para o desenvolvimento científico dos seus alunos, no entanto, seu discurso caminha na direção contrária da justificativa que ele mesmo tenta dar para a sua carreira.
“Era como se, náufrago do momento, por culpa de um esbarrão no corredor, quando em um segundo percebi que não havia mais nada a defender na minha vida pessoal, afundada numa sequência de pequenos, mas irreversíveis desastres...”. (p. 91).
O personagem deste livro, antes de tudo, dá-nos uma aula sobre a mecanização do homem por meio do ressecamento das relações e, do aprisionamento de nossa humanidade por meio de dispositivos sociais que tendem a exigir, normativamente, uma série de competências e habilidades como pré-requisitos de uma desenvolvimento social qualitativo.
Nesse livro Tezza não só atesta sua maestria para tratar eventos futuros e passados, transpostos na narrativa de forma fluida e, ao mesmo tempo interdita, como deixa-nos uma reflexão muito importante acerca do racionalismo exacerbado diante do mundo e da tentativa de significação para a vida.
“O mundo basta a si mesmo, e o poder mimético de relacionar o apito do trem numa manhã de Terça-feira com a perda de um pé de chinelo e o cheiro ruim do ralo do banheiro já é recompensa suficiente para nosso tirocínio e para dar algum sentido à vida”. (p.32).
O livro termina e nos deixa pensando sobre as significações cotidianas, o que nos é suspenso no discurso e o não-dito na convivência em meio a conceitos que, na medida em que são pensados e revisitados pelo narrador-personagem, esfacelam-se com o peso do tempo e das obrigações. Como já disse acima, uma verdadeira aula sobre o homem contemporâneo, escravo de um modus operandi tecnicista e mecanizado.
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