Claire Scorzi 13/04/2011
Crer sem ódio
Entre as virtudes de Chesterton (1874-1923) uma das mais incomuns e valiosas é a sua convicção sem fanatismo. Aliada a esta, outra: exprimir idéias sem tom doutrinário - aqueles casos horríveis em que o desejo de "pregar" é tão forte no escritor que este esquece a história e procura impingir seu ponto de vista ao leitor. Chesterton, como outro inglês (e tão diferente dele), D. H. Lawrence, escapou a essa armadilha.
No volume de contos A Sabedoria do Padre Brown, unem-se a agilidade da trama policial e a habilidade típica do bom contador de histórias que primeiro estabelece um clima para a aventura que pretende narrar. As doze aqui incluídas tem quase todas um início panorâmico - cenário, disposição das personagens como num quadro - com parágrafos longos, e em cerca de 20 páginas o ritmo lento altera-se, a narrativa é acelerada e o final, abrupto. Em pelo menos três contos, o leitor pode sentir a necessidade de voltar algumas linhas para reler e assim "apanhar" o fio da meada. Chesterton, ao contrário de Agatha Christie, não faz longas recapitulações de como-o-seu-detetive-desvendou-o-crime.
Duas aventuras - que não nomearei, pois dizê-lo revelaria parte do mistério - merecem menção especial. Nelas, o autor demonstra, como fizera em O Homem Que Foi Quinta-Feira, um inesperado respeito (nestes tempos fundamentalistas) aos poetas, e também aos cientistas. A solução dos crimes deixa claro que, para o escritor, poesia e ciência conhecem a verdade - mas não toda ela. Podem percebê-la em parte - o seu humor não é cruel - e, isto, é bom dizer, ele reconhece. Mas parte da verdade não é a verdade completa...
Essa abrangência generosa do cristianismo de Chesterton talvez explique a sua popularidade mesmo entre os não cristãos. Um humorista, um pensador, um artista com seu texto - assim eu o definiria, sem esquecer: um cristão convicto sem fanatismo. Pois é preciso crer sem ódio.