Fala, memória

Fala, memória Vladimir Nabokov




Resenhas - Fala, Memória


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jota 05/06/2015

Em busca da borboleta perdida...
Se você leu Lolita (1955), um dos livros mais vendidos de todos os tempos – eu mesmo li e reli e ainda vi o filme dirigido por Stanley Kubrick em 1962 - e gostaria de saber mais acerca da obra através de seu próprio autor, Vladimir Nabokov (1899-1977), pode ir tirando suas borboletas da rede.

É que, como Nabokov mesmo escreveu em 1966, em Montreux (Suíça), revisando suas memórias, “O presente trabalho é uma montagem sistematicamente correlacionada de lembranças pessoais que vão geograficamente de São Petersburgo [Rússia] a St. Nazaire [França], abrangendo trinta e sete anos, de agosto de 1903 a maio de 1940, com apenas algumas escapadas ao espaço-tempo posterior.”

Assim, nas mais de trezentas páginas de Fala, Memória há apenas duas referências à famosa ninfeta, bastante breves, e numa delas ele diz que o livro teve “um nascimento doloroso, [Lolita foi] um bebê difícil”. Mas não explica nada dessa gênese nem tampouco se alguma garota real serviu-lhe de inspiração, absolutamente nada.

Quanto às amadas borboletas, há muita informação sobre elas. Apanhá-las com redes apropriadas desde menino na Rússia até a idade madura, já nos EUA, e colecioná-las, foi sempre uma paixão do autor. Daí que a bela capa do livro traz mais de uma dezena de magníficos exemplares de lepidópteros - para ele, insetos “cobiçados”, “esplêndidos” etc.

O essencial da vida de Nabokov está aqui, mas sobre aquilo que poderia mais nos interessar – sua literatura – há muito pouco mesmo. Não que isso torne a leitura pouco atraente, pelo contrário. Pois Nabokov teve uma infância e juventude muito ricas, no sentido amplo do que riqueza pode significar.

Vladimir e seus familiares viajavam pela Rússia e pelo exterior, tinham muitos empregados, professores particulares, casas de verão; na linhagem da família havia nobres e militares, artistas, gente importante na Rússia, mas com a Revolução de 1917 eles se tornaram pouco mais que proletários e foram obrigados a emigrar. Você lê tudo isso com muito interesse, quase como se estivesse a ler um livro de aventuras, algo assim.

Se há pouquíssima coisa sobre Nabokov como escritor consagrado – há certa informação sobre os livros que lhe liam na infância ou sobre autores que leu na juventude (poetas, especialmente) etc. -, por outro lado, por vezes nos empolgamos bastante com suas aventuras de criança e suas paixões de adolescente, feito um romance mesmo. Pois sua escrita é cativante o tempo todo, um dos méritos de Fala, Memória, sem dúvida.

Lido entre 30/05 e 05/06/2015.
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Cintia295 11/01/2023

Quem quer saber mais sobre o autor de Lolita leia essa biografia, livro bem escrito com várias passagens, lugares que tiveram que fugir, pessoas famosas que ele conheceu, sobre sua infância, seu amor por borboletas, sua vida na adolescência, sobre seus tios, primos, amigos, primeiro amor, seu filho. Tem umas partes mais legais, outras sofridas.
Enfim leiam é bem interessante.
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LETRAS e VEREDAS 30/07/2021

Fala, memória
Fala, Memória é um monumento poético da memória contra a corrosão do esquecimento e um ato de resistência contra a indiferença do tempo. Por ser uma narrativa de cunho autobiográfico, Nabokov constrói a sua narrativa a partir de suas visões, sentimentos e representações das diferentes temporalidades e acontecimentos que determinaram a sua própria história e a vida russa de sua época, em especial de eventos que marcaram a sua infância. Nesse sentido, a construção do passado é flexível e os eventos são lembrados à luz das experiências subsequentes e das necessidades do momento que Nabokov elaborou a narrativa.

As personagens que desfilam no livro são representadas com imagens vivas e resplandecentes, mas, sendo forjadas pela carpintaria do tempo e da memória, são perecíveis e ameaçadas a tornarem-se espectros, diluindo-se no calendário dos dias. Contudo, durante a leitura, temos a sensação que a narrativa assume o papel de um rito de renascimento, resgatando os mortos das cinzas do passado e dos escombros do esquecimento, dando-lhes um significado no tempo vivido, no presente.

No processo de rememoração de Nabokov, a narrativa envereda pelas trilhas que pavimentaram os destinos de seus familiares e a composição de sua subjetividade. Mas nessa trama individual e particular, profundamente enraizada pela busca do narrador em se conhecer e reconhecer pela escrita, entrelaçam-se fenômenos e acontecimentos submetidos às metamorfoses e tragédias na sociedade russa com a eclosão da Revolução de 1917. Embora Nabokov lance o olhar ressentido de um homem despojado de seus privilégios e atenue o horrores do regime czarista russo para justificar suas perdas e desditas, é inegável que a Revolução Russa foi um acontecimento que deixou marcas indeléveis em sua vida, não apenas por ter vivenciado as amarguras do exílio, mas, sobretudo, pelo desmoronamento de seu antigo mundo, cuja morte de seu pai em Berlim é a moldura mais dolorosa.

Fala, memória nos desvela que tempo e memória constituem elementos de um único processo, pontes de ligação entre o passado e presente. Uma constelação para as difusas temporalidades.
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Aguinaldo 06/10/2014

fala, memória
Terminei de ler essa autobiografia de Nabokov ainda na semana passada, mas que dia melhor para falar dele que hoje, o dia do equinócio, dia em que começa a primavera (às 23h29min)? Assim será. Como o título evoca, "Fala, memória" é a versão - definitiva - das memórias de Vladimir Nabokov. No início de 1966 ele revisou o que havia escrito e publicado antes em revistas, mudou o título da primeira edição em livro (chamava-se "A prova conclusiva") e acrescentou um último capítulo (que é uma divertida resenha crítica de seu próprio livro, explicando o que ele entende ser os padrões temáticos de cada um dos quinze capítulos anteriores). Eles não foram nem escritos, nem publicados na ordem cronológica em que são apresentados agora no livro. O texto mais antigo é de 1936 (publicado na revista Mesures quando ainda morava na França) e os demais produzidos quando já vivia nos Estados Unidos, entre 1946 e 1951, publicados em revistas como The New Yorker, The Atlantic Monthly, Harper's Magazine e Partisan Review, antes da primeira edição em livro (também em 1951, pela Harper and Bros.). Os capítulos descrevem desde suas lembranças mais remotas, quando era pouco mais que um bebê (se é que isso é possível), até sua saída da Europa, em 1940, quando a segunda grande guerra começava. Nabokov nasceu no final do século XIX (22 de abril de 1899, no calendário ocidental), em São Petersburgo, filho mais velho de uma rica família russa (não exatamente nobres, mas seguramente muito ricos e poderosos). Em 1919, durante a revolução soviética, sua família e ele emigram da Rússia. Ele se instala primeiro na Inglaterra, em Cambridge, onde cursa a universidade, depois vive longos períodos em Berlin e Paris. Em 1940 emigra para os Estados Unidos, onde vive vinte anos, até 1961, para então emigrar uma última vez, para a Suiça, onde morre, em 1977. Se um sujeito quer entender o mundo e o estilo de vida que Nabokov vê desmoronar em 1917 recomendo fortemente o "História concisa da Rússia", que já resenhei aqui. "Fala, memória" flerta com o sombrio repetidas vezes, ao lembrar da opressão brutal e absoluta oferecida pelo bolchevismo (sonho de consumo de dez entre dez dos idiotas que estão de plantão no governo federal brasileiro, em seu projeto de retenção eterna do poder). Mas ao mesmo tempo é um livro repleto de passagens maravilhosas, em que o leitor imerge nos anos de formação intelectual de um sujeito que aprendeu a conhecer como se comportam os homens tanto em tempos de alegrias quanto em tempos sombrios. Associar vários dos capítulos com o ciclo proustiano "Em busca do tempo perdido" é mais que automático. O primeiro capítulo, onde encontramos as memórias mais remotas: de seu batismo, de seu pai sendo arremessado para o alto pelos servos, parece brotar de "O caminho de Swann"; o capítulo 12: onde ele fala dos anos de paixão por uma garota que ele chama de Tamara, ecoam "A prisioneira" e "A fugitiva"; o capítulo 6: onde ele fala dos dias numa praia francesa (Biarritz) lembra a Balbec de "À sombra das raparigas em flor"; o capítulo 14: onde a segunda grande guerra é eminente e o mundo parece mudar rapidamente, lembra a clarividência do narrador de "O tempo redescoberto". Claro que aquilo que é narrado, ou seja, a história de sua vida e lembranças, é algo muito interessante, mas é o estilo de Nabokov, a beleza das frases e as associações entre a natureza e os sentimentos dos homens que fazem a alegria do leitor. As imagens evocadas são realmente vívidas. Inspiradoras são as lembranças dos pais, dos tutores e babás, do primo Yuri, do irmão Sergey (que morrerá num campo de concentração alemão), de R.A.Butler (um político inglês que não entende a ameaça stalinista), dos anos deslizantes que antecedem a segunda grande guerra. Em algum momento do livro ele diz esperar um dia poder falar dos anos 1940-1960 passados na América do Norte, mas isso nunca chegou a acontecer. O livro é dedicado a sua mulher Vera, que aparece como interlocutora várias vezes (notadamente nos momentos difíceis, de decisões difíceis). Duas de suas grandes paixões: o Xadrez e a Lepidopterologia, mereceram longos capítulos (sua dedicação ao estudo e coleção das borboletas e mariposas rendeu-lhe reconhecimento acadêmico). Os quatro romances escritos em russo, quando vivia em Berlin e Paris, aparecem descritos marginalmente (ele utiliza um alter ego, que ele chama de Sirin, para falar destes livros). Já havia lido em ensaios de W.G. Sebald e Javier Marías onde as maravilhas desta autobiografia eram contadas, mas não tinha idéia de que iria me divertir tanto. A vida de Nabokov parece o ciclo lagarta e borboleta, não exatamente repetindo-se, antes como que metamorfoseando-se de vinte em vinte anos (em ciclos vividos na Rússia, Inglaterra/França/Alemanha, Estados Unidos e por fim Suiça). A Alfaguara fez bem em publicar essa autobiografia de Nabokov tão perto do início da primavera. Isso deu-nos tempo de nos preparar para essa revoada de borboletas (que são suas memórias e o desejo de ser compreendido, afinal).
[início: 07/09/2014 - fim: 16/09/2014]
"Fala, memória: uma autobiografia revisitada", Vladimir Nabokov, tradução de José Rubens Siqueira, Rio de Janeiro: editora Objetiva / Selo Alfaguara (Grupo Prisa), 1a. edição (2014), brochura 15x23 cm., 327 págs., ISBN: 978-85-7962-313-4 [edição original: Speak, Memory - An autobiography Revisited (London: Victor Gollancz Ltd) 1951]
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