Naty 01/05/2017
Um livro que ironiza uma época, que critica a questão social no Brasil, além da hipocrisia da população.
Esse livro foi escrito pelo escritor Lima Barreto, um mulato que, quando completava sete anos de idade, viu a lei áurea sendo assinada. Enfim, a abolição da escravidão. Pena que leis não eliminam preconceitos.
E são esses preconceitos o âmago de suas obras ou, pelo menos, dessa que vos falo. Clara dos Anjos foi um livro do qual não me afeiçoei muito, mas que, com certeza, traz muito da realidade brasileira, ainda mais naquela época.
O enredo enfoca como Cassi, um menino branco, vagabundo e mal, se aproveita de meninas negras, mulatas e brancas pobres, desonrando-as. É isso que acaba acontecendo com Clara. Ela, sempre criada num ambiente recatado em que a mãe nada falava sobre as asperezas da vida ou sobre as peripécias do amor, cai, facilmente, nas amarras desse ignóbil conquistador.
Para alcançar esse fim, ele comete até mesmo um assassinato. Ele corrompe outras pessoas. Ele é, com certeza, a figura mais criticada do romance. É uma face caricaturada da hipocrisia social e do abuso que a aristocracia fazia em relação aos menos favorecidos.
Outra coisa que o autor enfoca, de forma veemente, é que a mãe do rapaz acaba o apoiando em seus erros por causa do sentimento racista que a permeia. Ela acha o seu filho mais importante que as vítimas dele e, quando estas vêm a pedir explicações ou que tome alguma providência, ela rejeita a hipótese de casar seu filho com qualquer uma delas. Isso acontece porque elas são pobres, negras, mulatas. Porque elas não merecem o filho dela. (QUE PENSAMENTO MAIS HORRÍVEL. PENA MAIOR AINDA É QUE NEGAR ESSA RELIDADE É NEGAR O QUE OS OLHOS PODEM VER).
Pelo que eu li sobre o escritor, ele teve uma vida muito contubarda: seu pai era louco, ele ficou viciado em bebidas alcoólica e o sucesso que ele tanto almejava na literatura foi um sucesso pós morte. Nem por isso ele deixou de tecer inúmeras críticas cujos principais temas são os seguintes: a estúpida mania de aristocracia, o preconceito racial, a obsseção em querer ser doutor, a sabedoria oca dos intelectuais famosos, a falsa caridade das irmandades religiosas, entre outros.
Lima Barreto também foi muito criticado, em sua época, por se utilizar de uma linguagemm que tentava imitar mais a própria linguagem popular. A época em que se insere a obra é marcada pelo parnasianismo, portanto, sua maneira diferente de escrever foi muito notada, mas não como algo bom e sim como uma forma errada de escrever.
Eu também percebi algumas críticas à influência estrangeira, as quais permeiam o livro por meio de palavras empregadas em inglês. O misticismo do povo brasileiro também é criticado, já que Lima Barreto vê isso como um sinal de ignorância. A religião x é usada na situação x, a y na y. Ou seja, religião deixa de ser convicção, passa a ser apenas a forma de se alcançar o que se almeja.
Um dos personagens desse livro, o Leonardo Flores, lembrou-me muito o autor, pois, ambos eram apaixonados pela literatura, mas acabam no fundo do poço e no vício da bebida. " A obra é tudo para o pequeno povo; o autor nada"
Uma parte que retrata o preconceito da mãe é que quando ela acha que o filho vai para outro Estado brasileiro para ser trabalhador "de enxada", ao invés de ela se sentir alegre por ele abandonar a vida ruim, ela se sente envergonhada. Para ela, vergonha não é a atitude, é a cor, é a condição social, são as vestes. Para mim, como uma das vítimas de Cassi diz: pior que ele, só a mãe.
Um elogio que tenho de fazer ao livro é que ele pode servir de alerta para as meninas. Permeiam o nosso tempo histórias de princesas que encontram feras e as transformam em príncipes ( Isso mesmo! A Bela e a Fera). Esse já foi o meu filme favorito da Disney até que percebi o dano que ele pode causar no que muitas meninas, despreperadas para a rudeza da vida, pensam do amor.
Claro achava que com ela seria diferente. Ela achava que Cassi só tinha feito aquilo com as outras. Em certos momentos, ela até cria na ideia de que aquilo acontecia por que as outras garotas eram safadas. Parece idiota o pensamento, não é? Mas muitas, ainda hoje, pensam assim. Filmes, como o anteriormente citados, acabam propagando no imaginário feminino que, com o amor, as mulheres podem mudar os homens maus. Pena que os gatinhos arranham.
Será que não é por isso que muitas mulheres, na sociedade odierna, muitas vezes, envolvem-se com homens problemáticos só porque eles são bonitos ou porque acham poder resolver o problema do outro?
O ilogismo desse pensamento se encontra no fato de que se submeter ao sofrimento em nome de outra pessoa que te faz sofrer, mesmo você a amando do fundo do seu coração (ou achando que a ama), é burrice. Por que você que tem de resolver o problema dela?Primeiro, ela resolve o problema dela e, depois, tudo pode dar derto entre os dois.
E é isso que ele traz nesse livro. Se, talvez, ela não tivesse sido criada num ambiente tão fechado e sua mãe a tivesse instruido que os pais limitam os filhos de se casar com certas pessoas porque, mesmo que, no meio da paixão isso pareça ser bobagem, a conduta irá influenciar permanentemente como essa pessoa é e, futuramente, como o relacionamento irá se estabelecer, Clara poderia ter tido um futuro melhor.
Não estou querendo difamar o filme da Disney, pois explicto, sinceramente, que sempre foi o filme que mais gostei. No entato, negar a verdade e escondê-la é cair no mesmo erro da mãe e do pai de Clara. As crianças acabam, muitas vezes, não levando a figura da fera apenas para o sentido da aparência, mas da própria essência. E convenhamos, ser "fera" na aparência não influêcia em nada no que se é no interior, mas ser "fera" na essência, como Cassi no livro, é um problema e, de pessoas assim, é melhor ficar longe como diz o próprio Marramaque no livro.
Enfim, termino essa resenha dizendo que gostei do livro, embora não tenha sido uma leitura muito atrativa para mim e recomendo a leitura. Foi muito bom conhecer esse autor mesmo que por uma de suas obras menos conhecidas.