Erudito Principiante 16/09/2022
Lirismo luso-mineiro
Na escola somos apresentados à literatura clássica de uma maneira que geralmente nos parece tediosa e sem atrativos, pois enquanto crianças e adolescentes não nos apetece a escrita rebuscada, com palavras difíceis e temas que só vamos entender depois de adquirirmos suficiente cabedal intelectual. E o estudo dos movimentos literários estão inseridos nessa aparente via crucis. Agora, considerando-me mais do que preparado para esse tipo de leitura, debrucei-me sobre a obra-prima de um dos maiores expoentes do arcadismo, o português Tomás Antônio Gonzaga: o poema ?Marília de Dirceu?.
O poema lírico Marília de Dirceu é composto de três partes. A primeira parte tem 33 liras, a segunda parte contém 38 liras (composta quando o poeta encontrava-se preso por fazer parte do movimento dos Inconfidentes) e a terceira contém 9 liras e 13 sonetos, sendo estes não dedicados à Marília.
As liras contém os típicos temas do arcadismo: a vida no campo, inserção de elementos greco-romanos (mitologia e personagens das grandes narrativas da antiguidade clássica), natureza idílica e aversão à vida urbana. O poeta, utilizando o pseudônimo de Dirceu, se coloca, juntamente com sua amada, no campo a cuidar de ovelhas na condição de pastor, sendo por vezes a própria Marília a pastora. Gonzaga também insere em algumas liras sua condição de cativo injustiçado enquanto esteve preso na Ilha das Cobras, cárcere localizado no Rio de Janeiro. Por vezes projeta o futuro envelhecendo nos braços da amada, vez por outra também suas liras são pessimistas falando da morte, em outras fala de viagens à Portugal. Porém o nome de Marília está escrito na maioria esmagadora das liras.
Mas o poeta não se limita apenas ao enquadramento árcade, pois a sua musa não é imaginária e nem idealizada, como rezava a cartilha desse gênero. Ela é real, de carne e osso.
Marília é o pseudônimo de Maria Doroteia Joaquina de Seixas, jovem de 17 anos por quem o então Ouvidor de Vila Rica Tomás Antônio Gonzaga, à época com 39 anos, se apaixonou e o inspirou a compor a obra que viria a ser um dos expoentes do arcadismo brasileiro (apesar dele ser português de nascimento) e um dos pioneiros do romantismo, já que sua obra continha elementos que iriam se encaixar no movimento vindouro. Gonzaga chegou a noivar com Doroteia, apesar da família dela ser contra a relação, mas o poeta foi preso pouco antes do casamento.
Gonzaga cumpriu pena de degredo na colônia portuguesa de Moçambique, onde se casou com Juliana de Sousa Mascarenhas, teve um casal de filhos e faleceu em 1810. Maria Doroteia acabou vivendo como solteirona. Não foi fácil para ela ter sido noiva de um traidor, contudo viveu dignamente, sendo respeitada até o fim de seus 85 anos.