Júlio 27/12/2018
Publicado pela primeira vez em 1962, Um Dia na Vida de Ivan Denisovich entra na categorias das obras em que a importância pende mais pelas mensagens políticas e sociais do que valores puramente artísticos. Aqui a mensagem é mais importante que a estética, não que a última seja negligênciada, mas seu papel parece ser de veículo e não destino.
Importante notar que essa edição é uma tradução da versão francesa, ou seja, uma tradução dupla. Não desmerecendo o trabalho do tradutor, claro, porém aquele fio de dúvida sobre o quão diluída ficou a prosa do autor nunca se rompe. Entretando, apesar da dupla diluição, a descrição de um dia de trabalhos forçados em um campo de concentração é feita de tal forma que a dureza e o frio da rotina vivida pelo prisioneiro Ivan Denisovich Chukhov pode ser sentida pelo leitor.
O dia de Chukhov é descrito em detalhes e parece que cada elemento foi escolhido a dedo para construir um elo de empatia entre o leitor e o personagem, não de forma piegas, mas com sutileza. Não é através das lamentações ou injúrias que nos conectamos com Chukhov, mas sim com a descrição de seus sapatos, seu ritual ao comer uma sopa, a camaradagem entre os prisioneiros, a precisão sobre como é a rotina de trabalho, etc.
A opressão do totalitarismo permeia todos os eventos do dia, do despertar ao dormir. Em cada evento é descrito a crueza com que os detentos são tratados pelos oficiais, e como sua rotina é feita de forma a sufocar sua individualidade, reduzindo suas preocupações somente à fome e ao frio. Nesse sentido o livro é um sucesso, pois é possível sentir a aspereza causada pelas injúrias na pele de cada personagem e como, ainda assim, cada um deles vive de forma singular nesse ambiente, ou seja, apesar dos esforços para que não haja tempo dos prisioneiros serem indivíduos singulares eles ainda o são.
Ao avaliar uma obra como essa sempre me fica a dúvida sobre qual valor impor sobre aquilo que ela conseguiu alcançar, pois Um Dia... é aquele tipo de obra que gerou mudanças reais, palpáveis no mundo. Sua publicação marca o início dos eventos que iriam influenciar na dissolução da União Soviética. Tendo dito isso, como livro ele é extremamente competente em passar sua mensagem, e tem seu papel como objeto histórico garantido. É uma leitura curiosa, as vezes como um trabalho que merece seu lugar entre as grandes novelas, as vezes como um artefato de museu.