Maria - Blog Pétalas de Liberdade 02/12/2015Cabo Jorge O livro traz o texto da peça de teatro censurada em 1965. A história se passa na década de 50. Uma pequena cidade do interior passou a se chamar Cabo Jorge, nome de um de seus moradores que foi lutar na Segunda Guerra Mundial e acabou morto em combate após um ato de heroísmo. A cidade ganhou fama pela bravura de seu soldado, e o turismo passou a ser a principal fonte de renda de Cabo Jorge.
Porém, 10 anos depois, eis que o Cabo Jorge aparece em Cabo Jorge, após ser aprovada uma lei de anistia. Ele não tinha fugido, tinha desertado! E o que aconteceria na cidade quando a verdade fosse descoberta? Seria a ruína da economia local?
MAJOR
Atentem nisso: há dez anos que esta cidade vive de uma lenda. Uma lenda que cresceu e ficou maior que ela. Hoje, a lenda e a cidade são a mesma coisa.
ANTONIETA
Que tem isso? Você acha que...
MAJOR
Na hora em que o povo descobrir que Cabo Jorge está vivo, a lenda está morta. E com a lenda, a cidade também vai morrer. (página 82)
O Major (manda-chuva da cidade), o prefeito, Antonieta (que se apresentava como viúva do cabo, mas que não tinha se casado de verdade com ele), o vigário (que aproveitava as datas de nascimento e morte de Jorge para fazer quermesses e arrecadar donativos para sua igreja) e até as prostitutas (que se aproveitavam do turismo para ganhar a vida) seriam os que mais perderiam com a volta do Cabo Jorge e a descoberta da verdade. Por isso, tinham que encontrar uma forma de reverter a situação de forma positiva para eles, mas será que acabaria tudo bem para o Cabo Jorge? O que ele acharia de sua identidade como herói? Quais teriam sido os reais motivos para sua volta?
CABO JORGE
Estou zonzo... não sei como puderam inventar toda essa história. (Subitamente, começa a rir) Herói... virei herói... imagino a cara dessa gente agora, quando me vir. Vão passar sebo nas canelas, pensando que é assombração.
ANTONIETA
(Ri também) Pensando bem, vai ser engraçado. Mudaram o nome da cidade, levantaram estátua, escreveram livro, reportagem, fizeram fita de cinema... e você está vivo. Tanto discurso, tanta festa, tanta coisa... (página 71)
Talvez vocês saibam que O Berço do Herói foi a base para a novela Roque Santeiro, também de Dias Gomes, que iria ao ar em 1975, mas foi barrada pela ditadura e só pode ser exibida 10 anos depois. Eu vi a novela quando reprisou e gostava bastante da história, o que foi um dos motivos que me fizeram querer ler o livro. Ele e a novela tem muitas diferenças, obviamente, na adaptação há outros personagens e tramas paralelas nos mais de 200 capítulos, eu li as pouco mais de 150 páginas de O Berço do Herói em poucas horas.
MAJOR
Você era um soldado.
CABO JORGE
E eu nasci soldado?
MAJOR
Ninguém nasceu. Mas muitos souberam morrer como soldados.
CABO JORGE
Não vai querer me passar sermão agora, vai? Sei que, na sua opinião, o que fiz foi indigno. Talvez tenha feito coisas ainda piores para não morrer. E o que fizeram comigo, em nome da democracia, da liberdade, da civilização cristã e de tantas outras palavras, palavras, nada mais que palavras? Ora, não me venham com acusações porque, eu sim, se quisesse, tinha muito que acusar. (página 75)
Eu gostei muito do livro e recomendo, já havia lido outros que são o texto de peças teatrais e gosto do gênero. O Berço do Herói é dividido em atos e subdividido em quadros, há poucas descrições e muito diálogo, o que torna a leitura rápida, mas sem empobrecer a imaginação dos cenários. Foi uma leitura muito proveitosa, divertida e cativante, com partes bem humoradas mas também com vários pontos que me fizeram refletir sobre até onde as pessoas podem ir por seus interesses.
Apesar de uma pequena suspeita de como a história terminaria, me animei com cada reviravolta que ia surgindo e mostrava a possibilidade de um desfecho diferente ou que me colocava em dúvida sobre o caráter de um determinado personagem. Teve momentos em que eu quis entrar na história e chacoalhar um determinado personagem, para fazê-lo enxergar o que estava para acontecer, de tão conectada a história que eu estava. Admiro muito a capacidade do autor de conduzir tão bem a trama em um livro curto e composto quase que exclusivamente por diálogos.
CABO JORGE
(...) Nisso está o seu grande mérito, e sua valentia, pois é preciso coragem, muita coragem, pra sentir um medo tão grande. Ah!, se todos os homens fossem capazes de um medão assim, não haveria no mundo lugar pros covardes, e a guerra seria enxotada da face da terra. (página 72)
Eu achei a capa do livro bem bonita, especialmente pela cor escolhida, o título e o nome do autor estão em alto-relevo. Não encontrei erros de revisão; a diagramação está ótima, com margens, espaçamento e letras de bom tamanho; as páginas são amareladas (além de O Berço do Herói, a Bertand Brasil lançou edições novas e bonitas de outros livros do autor e outros clássicos).
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http://petalasdeliberdade.blogspot.com.br/2015/12/resenha-livro-o-berco-do-heroi-dias.html