Christiane 24/07/2021
Um livro de memórias, mas memórias que não existem, que precisam ser resgatadas, recuperadas, e que se apresentam sempre misturadas a outros eventos, imaginárias, sem muita confirmação. Perec era criança quando a Segunda Guerra começou, ficou órfão.
Ele começa nos dizendo que não tem nenhuma memória de infância, e se lança na escrita na tentativa de recuperá-las. Nem sempre é possível ou fácil colocar em palavras o que se viveu, e paralelamente ele escreve uma história, a história de W, uma narrativa fantasiada pelo autor aos doze anos. Mas qual será a mais verdadeira?
Nossa memória sempre reconstitui um romance, pega pedaços do que vivemos e condensa, formando uma história coesa, mas quando não se tem esta possibilidade de coesão e se está no caos, pode-se também inventar, imaginar, criar uma história.
Ele irá alternar pedaços de sua vida, do que consegue se lembrar ou pensa ter sido assim, com a história de W.
W, a terra do esporte, um Estado-máquina. Ao ler estes trechos me vieram duas versões. A primeira seria a maneira de poder falar, contar e ser ouvido sobre o Holocausto, sobre os campos de concentração, pois temos um retrato deles de forma fantasiada, e a outra seria como as pessoas passam a acreditar numa ideologia, mesmo que maléfica, como seguem as regras e não se rebelam contra.
Talvez por que no real da guerra haviam inimigos, mas entre eles também havia seres humanos. Ao vencedor cabe os privilégios, e ao perdedor os castigos, a derrota, a humilhação, mas o vencedor de hoje é o perdedor de amanhã. E no dia a dia sempre há os que protegem os mais fracos e mais novos, mesmo entre os que são os vencedores, talvez principalmente entre eles, para que possamos sobreviver.
Perec escreve, escreve para poder viver. Para lembrar e esquecer, ou esquecer para lembrar. E sua fábula da Terra de W nos serve para compreendermos todos os totalitarismos e por ironia ou uma coincidência que ninguém pode compreender, esta terra está na América Latina, onde tantas ditaduras viraram a Terra de W.