Paula 02/07/2016
Fala, Silêncio e inquietação
Lídia Jorge é uma escritora portuguesa que viveu na África por alguns anos, durante a última fase da Guerra Colonial Portuguesa. Nesse período, enquanto vários países estavam se tornando independentes, o líder português, António Salazar queria manter as colônias da África. A obra Combateremos a sombra, publicada em 2007 em Portugal e em 2014 no Brasil, apresenta várias referências a África e demonstra como os efeitos desse conflito ainda estão presentes, mesmo no novo milênio.
Osvaldo Campos é um psicanalista e professor que, no ínício da obra, tem a missão de escrever um artigo em que respondesse a questão "Quanto pesa a alma?". Uma vez que um trabalho de um psicólogo consiste em ouvir - e ele tinha mais facilidade para ouvir do que para escrever - Osvaldo acreditava que a alma de seus pacientes se revelava por meio da fala. O texto de Lídia Jorge é escrito de modo que o envolvimento de Osvaldo com seus pacientes e sua vida pessoal se encontrem muito bem amarrados.
Dentre os pacientes de Osvaldo Campos estão:
- Elisio Passos: Na verdade um ex-paciente, um jornalista que retorna no dia em que todos se preparam para a chegada do novo milênio. Ele acredita ter ingerido um ovo envenenado a fim de eliminar os opositores de Salazar e que, no tempo da narrativa, teria outras intenções, como alienação e censura.
- General Ortiz, que "prevê a Batalha de Lepanto"
- Lázaro Catembe - angolano que não enxerga condutores da sua cor.
- Maria London Loureiro: a "paciente magnífica", a quem cabe o conflito central da obra, de maiores consequências para Osvaldo Campos.
Há também outros, como Federico, uma criança com dificuldades para dormir, e Gisela Baptista, que reaparece como protagonista em A noite das mulheres cantoras.
Em Combateremos a sombra, Lídia Jorge criou uma trama em que a história contada tem a mesma relevância da história silenciada. A própria Maria London, estudante de Belas Artes, diz em um determinado momento, que o silêncio aniquila uma obra de arte. Os silêncios dos jornalistas, do Inspetor Toscano, de Maria London e Ana Fausta aniquilaram a obra de Osvaldo Campos. Eu, sinceramente, não esperava esse final, mas o adorei! Lídia Jorge disse em entrevista recente que "a literatura serve para inquietar e despertar as pessoas para a realidade". Obrigada, Lídia Jorge, por me deixar inquieta e pensando no seu livro por dois dias seguidos!