Rai 05/02/2018Ainda bem que Deus me deu paciência, porque se ele tivesse me dado uma arma, eu teria me matado ao longo da leitura.Infelizmente, não só de bons livros vive um leitor. Às vezes, a gente cai no conto do vigário e pega um livro por uma capa ou uma sinopse bonita, outras vezes a gente dá azar e encontra um ovo podre no meio de uma coletânea, e em outras a gente só tá com vontade de sofrer mesmo. Dessa vez, foi a segunda opção.
Ainda na coletânea Nas Sombras da Cidade (pra quem leu minha resenha sobre Perfume de Fogo, sabe do que eu tô falando), tínhamos Deus do Rock, da Gisele Souza, um livro que conta a história de Apolo, o deus do Sol, e como ele se apaixonou por uma mortal, a Angélica.
EXPLICAÇÃO DO PARÁGRAFO ANTERIOR: A autora solicitou a remoção do seu livro da coletânea e o box já foi atualizado. Quem leu, leu. Quem não leu, tá de parabéns. Segue o baile.
Aviso desde já que dessa vez não vou conseguir comentar algo sem spoilers. Quando eu odeio um livro, eu gosto de explicar meus motivos e avisar a todo mundo sobre o conteúdo, para que eles não caiam na mesma ilusão que eu. Então, todos informados… É hora do show (e do textão)!
Primeiro de tudo, vou situar vocês no mundo, que só segue a mitologia grega quando é conveniente: Os deuses do Olimpo perderam sua força com os séculos, já que os humanos não mais os idolatram como antigamente (difícil de acreditar com tanto fã de Percy Jackson no mundo né?). Então, Zeus decide que é hora de obterem novos poderes e deixa os deuses escolherem (ou deixou só o filho escolher, jamais saberei). Apolo, como já gostava de música mesmo, decide ser o deus do rock e passa a se “alimentar” do poder das músicas e bandas mortais.
Um belo dia, Zeus descobre uma profecia que diz que uma mulher vai libertar o Supremo (ou ser a causa da liberação) e iniciar o apocalipse, a devastação, a morte de todos os seus conhecidos, parentes, irmãos (incluindo o próprio Zeus) e coisa e tal. Então ele aprisiona a alma da mulher e vive feliz para sempre… Ou pelo menos até que Leto, sua esposa, decide libertar a tal mulher porque descobre que ela vai ser o grande amor da vida do filho e vai salvá-lo da depressão divina. Daí em diante a gente sabe o que acontece: Zeus fica puto, a esposa some, o filho encontra a tal mulher e vem pra Terra pra ficar com ela, apocalipse.
Agora que estão todos situados, o que dizer do maior macho embuste que eu já tive o desprazer de ler? Quando Angélica tinha 17 anos (atentem, menor de idade), Apolo a encontra no meio do seu BBB divino. Ele gosta de passar 24 horas observando tudo que os humanos fazem, e quando encontra essa garota “toda perfeita, linda e maravilhosa como um anjo” ele concentra todos os seus esforços em vigiá-la dia e noite por CINCO ANOS, até que ela tivesse “idade suficiente para lidar com o fato de se relacionar com ele”. Como se não bastasse ser um stalker desse porte, o cara bota na cabeça que vai ter essa mulher de todo jeito. Ele usa o encantamento dos deuses para deslumbrá-la e, aqui eu cito suas palavras exatas, “persuadir seu corpo a querer o meu”. Ou seja, ele não quer romance. Ele não quer amor. Ele tem é uma obsessão em transar com a Angélica que não conhece limites. Adicionem machismo, ciúme doentio (e instantâneo, porque o cara bateu o olho na garota por dois segundos e tem vontade de matar o irmão dela só porque ele chegou perto), possessividade extrema, drama até perder de vista, uma divindade frágil (mais frágil que a heterossexualidade dos homens que a gente vê por aí), egoísmo, vício em mentir, incapacidade de aceitar um não… Se eu for listar tudo perco um dia inteiro. Onde eu estava mesmo?
Angélica é uma garota de 22 anos, muito certinha (mas que depois mostra seu lado problemático também), que sempre viveu sob a proteção do irmão mais velho, o guitarrista e líder da banda Underworld. Apesar de não ser mais tão inocente (e aqui eu não consigo resistir a citar uma fala do Apolo: “não houve barreira alguma quando meu dedo entrou em sua carne quente” *risos eternos*), ela não tem nenhuma chance contra o Apolo. É aquele clichê super comum em romances eróticos: o cara lindo, maravilhoso e perfeito (leia aqui: embuste) encontra uma garota certinha, tímida e quieta na dela, e decide levá-la pra cama assim que põe os olhos nela; a garota não consegue resistir (e dessa vez é ainda pior, porque ele usa dos poderes dele pra fazê-la aceitar), eles transam e BUM… Pau mágico = Amor eterno.
Eu não sou contra romance, declarações de amor e demonstrações de carinho. O pessoal do whatsapp tá aí e não me deixa mentir: eu sou a maior shippadora de personagens literários. Torço bastante pelos casais (mesmo quando eles não existem) e morro de amores (e surtos) quando eles finalmente ficam juntos. Mas dessa vez foi impossível aguentar esses dois. É um relacionamento meloso demais, cheio de declarações (muitas delas bobas e inseridas em momentos sem sentido), muitas vezes ambos os personagens (principalmente o Apolo) agem de forma infantil e aí fica aquela situação constrangedora de parecer que você não está com uma parceira(o) e sim a sua mãe (ex: quando o cara chora nos braços da mulher, dizendo que tá com medo, e ela faz cafuné pra ele dormir. E isso dois segundos depois dele gozar).
Outra coisa que me incomodou bastante foi a necessidade de fazer o melhor amigo da Angélica ser secretamente apaixonado por ela, o que o povo chama de “friendzone”. Não acrescentou absolutamente NADA à história ter inserido esse detalhe. É uma coisa que eu vejo em vários livros: todo melhor amigo tem um amor platônico pela amiga (ou ao contrário), como se não pudesse existir amizade (e apenas amizade) entre sexos. EXISTE SIM, PESSOAL.
E falando em ficar fula da vida, outra coisa que me irritou profundamente foi o Apolo ser extremamente religioso e, por religião entenda monoteísta e praticamente um católico de carteirinha (eu tô dizendo católico não por ele usar palavras como Jesus Cristo, porque ele não fez isso, mas por rezar para um único Deus, acreditar em um ser superior que nos vigia e cuida de nós. Se na sua concepção isso se encaixa em outra religião, sinta-se livre para incluí-la mentalmente nesse comentário). O cara é UM DEUS, da MITOLOGIA GREGA, mas qualquer “probleminha” já está apelando à Deus (foi usado com letra maiúscula mesmo).
Voltando ao romance, que no fim das contas é o centro da história: é perturbador as coisas que o Apolo solta quando eles estão conversando tranquilamente. Coisas como “cada fio do seu cabelo, cada pedaço da sua vida me interessa. Cada suspiro que você dá me deixa em alerta, querendo sugar sua vitalidade e alegria de viver”. SUGAR SUA VITALIDADE E ALEGRIA DE VIVER!!! Eu tinha pego minha bike e saído de perto dele o mais rápido possível. Socorro.
E, pra finalizar minhas reclamações (nessa resenha), deixa eu contar pra vocês qual foi a pior parte pra mim: como tudo (ABSOLUTAMENTE TUDO) se resolve com sexo nessa história. Ah, preciso ir pra Terra... vamos deixar o Teseu fazer sexo com a irmã do cara, como pagamento pela ajuda. Ah, Angélica não vai viver muito tempo… vamos fazer sexo pra torná-la jovem para sempre. Ah, Zeus está nos perseguindo e vai nos alcançar a qualquer momento… vamos fazer sexo de despedida. Ah, eu preciso tirá-lo do inferno… vamos fazer sexo para ela dar um pedaço da alma dela pra ele. Ah, ele precisa reativar seus poderes… vamos fazer sexo. Ah, preciso da ajuda da harpia sanguinária... vamos entregar o Aquiles como brinquedinho sexual pra ela. TUDO. SE. RESOLVE. COM. SEXO.
*
Enfim, fim do textão. Se quiserem saber mais, me chamem depois. Em resumo, achei o livro quase tão ruim como o Fotógrafo (que foi o pior livro que já li na vida). Só não foi tão ruim porque não rolou estupro, mas chegou MUITO MUITO MUITO próximo do péssimo nível. Não recomendo a leitura pra ninguém.