Lai 06/02/2015
Crítica Literária de Luana Signorelli
Dotado de um toque de sensibilidade, e valendo-se da velha dialética entre o antigo e o moderno, Primeiras Impressões de LRDO é um livro superdivertido de se ler, envolvente, e traz temas atuais como o medo do amor, a descrença no relacionamento e a desconfiança que se sente perante o sexo oposto, além de retomar o clássico do romantismo inglês Orgulho e Preconceito, da Jane Austen. Temendo a relação amorosa, os românticos tendem a criar um ideal feminino. Porém, Elizabeth Benevides – a protagonista do livro – não é uma mera personagem típica, idealizada, mas sim uma mulher moderna, com todas as suas contradições, a qual consegue nos provar que ainda se vale a pena lutar pelo amor, e para isso inclusive se contrapor às convenções sociais. Outros assuntos também são abordados, como a visão do empreendedorismo atual, pois Elizabeth quer abrir um negócio na área da Editoração.
Primeiras Impressões é uma paródia (segundo a teoria literária de Hênio Tavares) do clássico Orgulho e Preconceito, e uma alusão clara ao primeiro nome ao qual o livro de Jane Austen estava designado. O novo nome – do original Pride and Prejudice – ainda brinca com o termo prejudice, cuja raiz etimológica pode significar tanto preconceito quanto prejuízo, no sentido de se julgar algo sem se conhecer. É nisso que se pauta o primeiro trocadilho.
Quando se fala sobre o Romantismo inglês, os primeiros ícones a serem citados são Byron, Shelley e Keats, mas as mulheres muito bem o representaram também, como é o caso das irmãs Brontë (com destaque para o clássico Jane Eyre, de Charlotte Brontë) e a própria Jane Austen. Tanto Austen quanto LRDO foram mulheres que souberam aproveitar a oportunidade para propor o discurso da igualdade de gênero em um texto e contexto de mudanças, tentando implantar a liberdade não pela imposição, mas pelo bom humor.
Já no interior dos romances, o procedimento de seleção e afinação não só se efetiva por meio da tentativa de igualar determinado personagem a outro, conseguindo assim o encontro e a resolução de uma paixão que se achava contrariada, como também atua através da construção de uma geografia que lhe seja adequada e lhe dê significação (CARRIZO, 2001, p. 49).
O movimento romântico está muito presente no livro de LRDO, sendo útil aqui retomar algumas de suas características. Primeiro, o nacionalismo – não mais inglês, mas o brasileiro – ao celebrar a pátria por meio da cultura, de nossos valores, nossa culinária (o que é chamado pela crítica de olhar etnográfico), dado um contexto pós-industrial. No entanto, a inovação de LRDO diz respeito também à desterritorialização do sujeito moderno, destinado a quebrar fronteiras e viver na instabilidade, entre uma nação e outra, remetendo-se à ressignificação tão cara à literatura contemporânea, e que já no Romantismo começava, devido ao sentimento de expansionismo.
Com isto já é possível indicar os elementos que integram a renovação literária designada genericamente por Romantismo – nome adequado e insubstituível, que não deve porém levar a uma identificação integral com os movimentos europeus, de que constitui uma ramificação cheia de peculiaridades. Tendo-se originado de uma convergência de fatos locais e sugestões externas, é ao mesmo tempo nacional e universal (CÂNDIDO, 1984, p. 15).
O Romantismo enquanto movimento presenciou uma grande mudança política, que também pode ser percebido em Primeiras Impressões, uma vez que o Darcy é político. Segundo o texto Imagens do instável, do livro As utopias românticas de Thomé Saliba, a gênese do imaginário romântico se deu pela quebra de continuidade da história europeia, marcada pelas Revoluções Francesa, Inglesa e Industrial. Segundo Massaud Moisés, “a Inglaterra é o primeiro país a se revoltar contra o despotismo artístico e intelectual que a França então exerceu” (MOISÉS, 1994, p. 13).
Sendo o Romantismo a representação das aspirações e os anseios da burguesia, cada país o expressa diferentemente, sendo importante a distinção sobre o nacionalismo explicada mais acima. Trata-se de um período no qual os países buscam a sua afirmação e a sua identidade. A Inglaterra se destacou porque ela já tinha a sua língua unificada e um sistema literário. Foi também na Inglaterra que se deu a Revolução Inglesa, com duas fases (a Puritana e a Gloriosa), cujos objetivos era a ascensão da burguesia. Logrando êxito, ela instaurou a Monarquia Parlamentar, modelo de governo presente lá até hoje. Também na Inglaterra ocorreu a Revolução Industrial, que propunha a consolidação de um novo modelo de produção, pautado na acumulação de capitais, até atingir a fase máxima do desenvolvimento tecnológico.
Primeira Impressões também é rico pois realiza esta ponte cultural e histórica. Além do mais, o livro ainda adota uma estética que mescla vários estilos, como e-mails e mensagens de texto, sem com isso perder a sua literariedade, muito menos o seu valor. A própria “impressão”, no seu sentido literal, faz parte do método literário, dando à determinada leitura tonalidade, sensação, uma percepção antes não percebida, ou seja, tentativas de compreender e julgar o outro, ou pré-julgar. O juízo tem a ver com a literariedade do texto.
Em 29 de janeiro de 1813, Orgulho e Preconceito era publicado pela primeira vez, há 202 anos. Primeiras Impressões honra este marco da literatura universal, de forma que ele oferece uma linguagem verdadeiramente nova, contrapondo-se ao conservadorismo, tanto linguístico quanto social. A obra de arte é uma realidade autônoma e o bom livro faz a boa crítica. Às primeiras impressões, é um livro cujo público consumidor é o feminino, mas que pode encantar a ambos os gêneros. Como Mestranda em Literatura pela Universidade de Brasília, eu MAIS do que recomendo este livro, e acredito veementemente que ele pode se tratar de um marco na literatura contemporânea.
Luana Signorelli – 01/02/2015
Referências bibliográficas (respectivamente)
(1) TAVARES, Hênio. Teoria literária. 12. ed. Belo Horizonte: Itatiaia, 2002.
(2) CARRIZO, Silvina. Histórias de amor, geografias de encontro. In: CARRIZO, Silvina. Fronteiras da imaginação: os românticos brasileiros, mestiçagem e nação. Rio de Janeiro: Editora da UFF, 2001.
(3) CÂNDIDO, Antônio. Formação da literatura brasileira. Belo Horizonte: Itatiaia, 1984. Vol. 2.
(4) SALIBA, Thomé. As utopias românticas. São Paulo: Estação Liberdade, 2003.
(5) MOISÉS, Massaud. A literatura portuguesa em perspectiva. São Paulo: Atlas, 1994.
LUANA SIGNORELLI é Mestranda (bolsista) em Literatura pela Universidade de Brasília. Atualmente, ela trabalha como revisora, crítica literária, professora e monitora de redação e tutora da Universidade Aberta.
site: https://www.facebook.com/lrdoprimeirasimpressoes