spoiler visualizarP.S. 12/08/2013
O ÚLTIMO ATO DE ESME LENNOX, DE MAGGIE O'FARREL
"Você sabe o que diz aqui? — diz ela. — Que um homem podia internar a filha ou a mulher num hospício com a mera assinatura de um clínico geral.
— Iris…
— Imagine. Você poderia se livrar de sua mulher se ficasse de saco cheio dela. Poderia se ver livre da sua filha se ela não fizesse o que mandavam."
Acredito que hoje seja mais difícil, mas não quer dizer que não exista. E há tantas outras formas de se livrar de filhos rebeldes, como internatos, ou morar com o outro pai, quando estes são divorciados. Esse não é um tema inédito na literatura e no cinema e, obviamente, seria bom se fosse mera imaginação. Houve tempos difíceis em que comportamentos que consideramos normais hoje, eram considerados absurdos. As pessoas eram repreendidas por toda uma cultura e, se ela não se portasse devidamente, poderia, sim, ser taxada como "louca". Um exemplo mais óbvio: muitos inventores, com seus inventos malucos que depois transformaram o mundo; o rádio, por exemplo, que, pra quem nunca tinha visto, era bruxaria, mandinga das brabas.
Esme era impetuosa. Foi internada no hospício onde viveu por mais de cinquenta anos, acusada de demente, esquizofrênica ou seja lá o que for. Pessoas que viam a vida de um modo diferente, ou pessoas mais emotivas, ou que sonhavam com algo melhor para sim ou para o mundo, ou que sabiam coisas que não deviam saber, poderiam, caso não se adequassem à norma, acabar dentro de uma camisa de força ou com um prego dentro do cérebro. Graças a Deus esse não foi o caso de Esme Lennox, acusada de coisas como "dançar em frente ao espelho vestindo as roupas da mãe". Ela também dizia sua opinião em muitos momentos inoportunos e volta e meia se perdia em meio à própria imaginação, o que assustava sua família.
Iris Lockhart recebe uma carta informando que uma tia-avó de nome estranho está recebendo alta e precisa de alguém para ajudá-la. Mas Iria nunca ouviu falar em Esme Lennox, e sua avó Kitty está em um asilo com Alzheimer Temos três focos narrativos aqui: o presente com Iris, o passado com Esme e as memórias de Kitty, e nossa, o modo como essa tal Maggie O'Farrel escreve é simplesmente incrível. As mudanças de personagem e de emoções e acontecimentos que vão transparecendo na história, criando um ritmo que se acelera cada vez mais para cair em um final horrível e surpreendente.
O último ato de Esmme Lennox me fez pensar em como nós, filhos, nos achamos essenciais na vida de nossos pais e em como eles fazem ou passam por coisas que jamais vamos saber. E que há vezes em que essas pessoas, seus pais, seus irmãos, sua família, são pessoas que vão lhe machucar, talvez sem nem se dar conta — eu sempre espero — e não vão lhe apoiar quando você precisar. Toda a família se livrou de Esme jogando ela num hospício. Não houve nenhuma tentativa de comunicação sincera, ou talvez não havia capacidade, compreensão suficiente para isso. As pessoas não sabem lidar com o que sentem e é muito difícil aceitar o que é diferente, mesmo que esse diferente apareça dentro da nossa casa.
"Eu não poderia consentir que minha felicidade fosse calcada em algo errado — em alguma injustiça — contra outra pessoa… Que tipo de vida poderia se erguer sobre tais fundações?"
Edith Wharton
Peguemos um fato corriqueiro, inofensivo, que é não acreditarmos que nossos pais fazem sexo, ou não admitir isso, ou não se dar conta que eles tem desejos. Principalmente essa questão do desejo e da intimidade, que é muito reprimida e sempre causa danos permanentes às pessoas. Minha mãe sempre contava pra mim que quando ela menstruou pela primeira vez, a única coisa que a vó fez foi xingá-la por ter sujado o lençol, e que a mãe teve que esfregá-lo a mão.
Em inúmeras vezes na vida queremos "nos livrar" da nossa família, ou por ela não nos entender, por não compreender ou por não a julgarmos boa o suficiente para nós mesmos. Eu procuro pensar que pai e mão sempre querem o melhor para os seus filhos, mas eu sei que essa não é realidade absoluta. As vezes é muito fácil apagar alguém da família do que tentar entendê-la e aceitá-la.
Como eu já disse, é difícil aceitar o diferente. Mas, hoje, com todo o sentimentalismo oscilante que eu possuo, ainda não quero acreditar que um pai pode odiar o filho. Eu sou uma dessas crianças com seus problemas familiares, com seus medos e saudades e dessas que têm uma batalha muito grande pra enfrentar na vida. Mas, por mais difícil que seja uma relação entre pais e filhos — uma relação de amor de verdade —, não acredito em ódio entre essas partes e penso que, bem no fundo, mesmo que nossas ações venham mascaradas por orgulho e intolerância, o que queremos é permanecer juntos, unidos como uma família.
Ou não.
"…e então eu fiquei com o dela. Foi o que fiz, e ninguém jamais descobriu, então suponho que…"
Ilu.
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