Fabio Michelete 01/05/2013
Algumas Viagens na Maionese
Minha intenção ao escolher este livro, foi a de continuar preenchendo minhas lacunas na leitura de clássicos mundiais. Esta obra de Jonathan Swift está certamente listada entre os mais lidos, mas confesso que sua leitura foi um pouco cansativa para mim. Eu vinha de uma sequencia de literatura mais adulta, e senti falta das frases mais pesadas e reflexivas. O livro todo é cheio de nomes que achei infantis, como “Glubdubdrib” ou “Luggnagg”.
Foi traduzido como “Viagens de Gulliver”, mas seu nome de lançamento foi “Travels into Several Remote Nations of the World, in Four Parts. By Lemuel Gulliver, First a Surgeon, and then a Captain of several Ships” (trad: Viagens para várias nações remotas do mundo, em quarto partes, Por Lemuel Gulliver, primeiro um cirurgião, e então o capitão de vários navios”). Antes de ler o livro, todas as vezes em que olhava para ele na prateleira lembrava de duas coisas: o antigo desenho “As aventuras de Gulliver” (tem aqui: http://youtu.be/YVFq2e0sCeo ) que eu assistia quando criança, e as cenas mais adultas de “Laranja Mecânica”, em que Alex usava a palavra Gulliver, como gíria (“Mum, I can't go to school today, my gulliver hurts” e “Yesterday we attacked this old man in the ally, he was being obnoxious, we hit got him right in the Gulliver”).
É possível que ele tenha feito alusão aos países reais e suas relações ao descrever suas viagens. No entanto, isto é bastante sutil, e não parece ser mais importante do que o entretenimento e histórias fantásticas. Mas explica:
“Isso talvez pareça ao leitor uma história antes ocorrida na Europa ou na Inglaterra, do que em país tão remoto. Digne-se, porém, considerar que os caprichos femininos não são limitados por nenhum clima ou nação, e são muito mais uniformes do que podemos supor.”
E dá lampejos de crítica social:
“As vezes, a briga entre dois príncipes é para decidir qual deles desapossará um terceiro dos seus domínios, aos quais nenhum tem direito algum; ás vezes, um príncipe briga com outro porque tem medo que o outro brigue com ele; as vezes, inicia-se uma guerra porque o inimigo é demasiado forte; outras, porque é demasiado fraco; as vezes, os nossos vizinhos querem as coisas que temos, ou têm as coisas que queremos, e ambos lutamos até que eles nos tomem as nossas, ou nos dêem as suas.”
Causa alguma emoção no início da leitura, uma vez que todos nós já ouvimos falar da viagem a Lilipute. A cena dele sendo preso por pequenos homenzinhos numa praia, com estacas e cordas, é uma das mais frequentemente mencionadas. O livro tem várias adaptações: cinema, música, versões ilustradas, teatro, quadro, etc. - mas não entendi por que todos se concentram na história da visita a Lilipute, ignorando os outros países visitados pelo personagem. Gulliver visita o país das pessoas pequenas, mas também visita outro de gigantes, uma ilha voadora, um país de cientistas, um de necromantes, e um país governado por cavalos – entre outras descrições breves de viagens a países conhecidos (Japão, Holanda...).
A cada contato com uma cultura nova, absorvia-lhes os idiomas e descrevia seus hábitos, procurando contribuir com experiências de viagens anteriores. Transparece na narrativa a visão da Europa, e em especial do Reino Unido, como o centro da civilização ou ao menos sua referência maior. Ainda assim, ele tenta reconhecer e mostrar como somos afetados por nossos hábitos e conceitos culturais ao julgar outros povos. A cada retorno à civilização, o personagem mostra estranhamento com nossos hábitos – e como os pequenos hábitos que assimilou, como sotaques, padrões de alimentação ou vestimenta, também geram comentários e observações desconfiadas. Talvez este sentimento esteja se tornando estranho no mundo globalizado, mas dá pra imaginar como era na época das navegações e descobrimentos.
Descreve um tempo antigo, em que as viagens e conhecimentos práticos do personagem causavam distinção entre os demais. Ele era cirurgião (sempre uma ocupação importante), sabia de navegação, idiomas, e tinha interesse especial pela cultura greco-romana. Sabia construir um barco, uma casa, suas próprias roupas e comidas. Trançar uma corda, improvisar fogo, caçar, etc. A todo o tempo, tenta transparecer esses conhecimentos e o domínio da linguagem técnica correspondente, como no trecho:
“Estava o navio em alto mar, de sorte que julgamos preferível correr com o tempo a capear, ou navegar em árvore seca. Rizamos o traquete, largamo-lo e caçamos as escotas; o leme estava bem a barlavento. Houve-se a nave bravamente. Amarramos a carregadeira do traquete; mas, estando a vela rasgada, arriamos a vêrga e, depois de pô-la dentro do navio, desatamo-la de tudo o que a prendia. Rugia a borrasca, violentíssima; o mar se agitava, estranho e perigoso.”
Não foi um dos meus preferidos, mas claro que vale a leitura.