Rafael.Montoito 03/10/2021
Uma odisseia da autoaceitação
Este é um livro sobre os preconceitos do começo do século XX e de como era difícil alguém ser sincero consigo mesmo: na história, publicada originalmente em 1902, Michel promete ao pai, em leito de morte, que irá se casar - e assim o faz, com a frágil Marceline, com quem desenvolve uma terna amizade. Contudo, o casamento não apaga sua verdadeira condição sexual.
.
Após sobreviver à tuberculose, o jovem francês começa, pouco a pouco, a abrir-se para a vida, na tentativa de resolver seus conflitos interiores. Numa viagem à África, sente uma forte atração por jovens africanos e por trabalhadores rurais brutos, ambos grupos que contrastam com sua educação erudita e requintada; seus desejos homossexuais vêm em ondas cada vez mais fortes e o acompanha quando volta à França: o desejo torna-se vontade de ver os corpos masculinos; ao vê-los, deseja tocá-los; ao tocá-los, descobre-se o outro que não tem coragem de ser, dada a moralidade da época - a escalada do autoconhecimento vai de mão com a construção de uma personalidade imoral (que, por fim, é imoral aos olhos dos outros, mas é a única garantia de felicidade de Michel).
.
O livro é curto, um pouco arrastado e as referências à homossexualidade de Michel são apenas levemente delineadas - o leitor mais desatento as deixará passarem despercebidas -, porém contém algumas frases brilhantes, profundas e assertivas que mostram a genialidade de seu autor. Duas cenas merecem destaque: aquela em que a personagem principal conversa com Moktir, que lhe sinaliza que sua única chance é aceitar sua própria essência, e a em que Michel se encontra com um condutor de carruagens siciliano.