Mortes imaginárias

Mortes imaginárias Michel Schneider




Resenhas - Mortes Imaginárias


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Silvia Andrade 15/06/2011

"O escritor é alguém que passa a vida a morrer, nas frases longas e nas palavras curtas."


Se você já parou pra pensar sobre as circunstâncias e as palavras derradeiras de grandes personalidades da literatura e da filosofia, silencie e leia. O livro de Michel Schneider tem todas as respostas (baseadas em fatos reais e, claro, ficcionais). Mortes Imaginárias é o avesso da biografia, é o avesso de "Vidas Imaginárias", só para lembrar aquele autor francês, Marcel Schwob, inspirador de Michel Schneider. Aceite o convite do escritor e adentre em seu parlatório de espectros. A galeria é extensa: Montaigne, Kant, Voltaire, Rilke, Truman Capote, Nabokov, Puchkin, Guy de Maupassant, Pascal e tantos outros. Michel Schneider fala-nos sobre o momento final, a morte. Subvertendo a ordem: a morte como reveladora da vida.

Sobre a morte de Pascal

“Morre-se só. Foi isso que escolhi como suas derradeiras palavras. Elas fazem uso do impessoal, reiterando assim o anonimato da coisa. Morre-se. E Pascal morreu só. Mas tendo no bolso um papel que dizia que jamais se morre só.”


Arsenio Meira 22/03/2015

"Se tivesse que redigir seu epitáfio, escolheria o quê? - Desculpem-me pelo pó." Dorothy Parker
Esse excepcional livro de Schneider, apresso-me logo em pontuar, não hesita em considerar a relação entre escrita e morte como incontornável, em sua perspectiva que acentua a presença da temporalidade no processo criativo. "Somos feitos (...) da morte dos outros", diz o autor, propondo que a presença dos que se foram em nós se apresenta na presença de palavras em nossa memória (vide p. 10). E de estalo, para não esquecer, todos os capítulos são excelentes; no entanto, os de Heine e Dorothy Parker valem proliferações de estrelas.

Em Mortes imaginárias, Michel Schneider inventaria, com êxito, as derradeiras palavras de inúmeros escritores e intelectuais (que compõem uma seleção imbatível:Sthendal a Nabokov; de Voltaire a Balzac;a Rilke; de Montaigne a Truman Capote e muito mais. Os capítulos foram tecidos como pequenos romances. Ao invés de um tom macabro, esses últimos momentos são narrados de maneira metafórica, lírica e bem humorada. Para o crítico, muitas vezes a morte é encontrada na própria obra, pois "o escritor é alguém que passa a vida a morrer, nas frases longas e nas palavras curtas" (vide p. 13).

Ao fazermos uso dessa consideração, algumas perguntas se evidenciam. O que os últimos discursos revelam? Afinal morremos daquilo que escrevemos? Estaria na obra essa sinalização? É possível rascunhar a própria morte? Para Schneider, a “autotanatografia” é impossível, porém alguns autores tentam escrevê-la, rabiscam contornos, desfechos imaginários. Falar de alguém, centrando a atenção em sua relação com a sua morte, leva a considerar sua ausência e seu passado como matéria para interpretar a imagem desse alguém. Em obras literárias, pictóricas, cinematográficas e musicais, a morte aparece como elemento nuclear. Michel Schneider, embora não esteja apegado ao emprego dessa expressão conceitual, oferece ideias muito importantes para abordar o assunto.

Cabe, por último, destacar, nesse livro, algumas observações nos capítulos fundamentais dedicados a Sigmund Freud e Walter Benjamin. No caso do primeiro, Schneider indica que ele teria lido até o fim da vida; “Se Freud ama tanto a literatura, é porque ela restaura o que a vida nos faz perder: ‘ainda encontramos ali homens que sabem morrer`” (Idem, p. 212).
No caso de Benjamin, Schneider alude ao texto a respeito de Nikolai Leskov, redigido pelo pensador alemão, para acentuar a ideia de que “no moribundo que toma forma comunicável não somente o saber ou a sabedoria de um homem, mas, antes de tudo, a vida que ele levou” (Idem, p. 220). O argumento aponta para a aproximação da morte como um impacto intenso, levando à culminância a possibilidade de narrar.

A ideia de que a significação das palavras, na escrita literária, pode estar associada, de modo nuclear, à exigência de lidar com a morte. Haveria uma relação incontornável entre o impacto de morrer (com a incerteza sobre o que acontece com o humano após a morte, ou com a necessidade de avaliar a vida a partir da consciência da finitude) e a linguagem, entendida de modo ambíguo: continuamente produtiva e ao mesmo tempo em debate com seus próprios limites.
Edgar 22/03/2015minha estante
Estava em dúvida a respeito deste livro.
Por minha conta e risco, vou comprá-lo, mas sua resenha vívida, convincente e bem escrita foi o estímulo que me faltava.




Gabriel1994 24/02/2023

''Se Freud ama tanto a literatura, é porque ela restaura o que a vida nos faz perder''

Uma reunião de ensaios biográficos recriando os últimos momentos de vários escritores e intelectuais - para isso o autor se serve de cartas e da própria obra desses autores - e, claro, de sua própria imaginação. Um livro lindo que me ganhou logo de início, bem longe de ter um tom macabro ou coisa do tipo, é uma reconstrução poética de como teria sido o derradeiro momento desses biografados, da morte de Pascal: ''O que é certo é que na hora de morrer o plural não se aplica: reserva-se ''nós morremos'' aos heróis reclusos, em sua última manhã. ''Morre-se só; portanto, deve-se fazer como se se estivesse só'', lança Pascal em algum lugar dos Pensamentos. Morre-se só. Foi isso que escolhi como suas derradeiras palavras. Elas fazem uso do impessoal, reiterando assim o anonimato da coisa. Morre-se. E Pascal morreu só. Mas tendo no bolso um papel que dizia que jamais se morre só.'', e diversos outros escritores como Tolstoi, Tchecov, Nabokov, Flaubert, Guy de Maupassant (capítulo tristíssimo), Rilke, Hermann Broch etc. Duas que não conheço mas que amei os capítulos: Mme. De Sévigné e Julie de Lespinasse. Ao final tem um relato muito bonito de como a literatura, literalmente, salvou a vida do autor.
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