Arsenio Meira 22/03/2015
"Se tivesse que redigir seu epitáfio, escolheria o quê? - Desculpem-me pelo pó." Dorothy Parker
Esse excepcional livro de Schneider, apresso-me logo em pontuar, não hesita em considerar a relação entre escrita e morte como incontornável, em sua perspectiva que acentua a presença da temporalidade no processo criativo. "Somos feitos (...) da morte dos outros", diz o autor, propondo que a presença dos que se foram em nós se apresenta na presença de palavras em nossa memória (vide p. 10). E de estalo, para não esquecer, todos os capítulos são excelentes; no entanto, os de Heine e Dorothy Parker valem proliferações de estrelas.
Em Mortes imaginárias, Michel Schneider inventaria, com êxito, as derradeiras palavras de inúmeros escritores e intelectuais (que compõem uma seleção imbatível:Sthendal a Nabokov; de Voltaire a Balzac;a Rilke; de Montaigne a Truman Capote e muito mais. Os capítulos foram tecidos como pequenos romances. Ao invés de um tom macabro, esses últimos momentos são narrados de maneira metafórica, lírica e bem humorada. Para o crítico, muitas vezes a morte é encontrada na própria obra, pois "o escritor é alguém que passa a vida a morrer, nas frases longas e nas palavras curtas" (vide p. 13).
Ao fazermos uso dessa consideração, algumas perguntas se evidenciam. O que os últimos discursos revelam? Afinal morremos daquilo que escrevemos? Estaria na obra essa sinalização? É possível rascunhar a própria morte? Para Schneider, a “autotanatografia” é impossível, porém alguns autores tentam escrevê-la, rabiscam contornos, desfechos imaginários. Falar de alguém, centrando a atenção em sua relação com a sua morte, leva a considerar sua ausência e seu passado como matéria para interpretar a imagem desse alguém. Em obras literárias, pictóricas, cinematográficas e musicais, a morte aparece como elemento nuclear. Michel Schneider, embora não esteja apegado ao emprego dessa expressão conceitual, oferece ideias muito importantes para abordar o assunto.
Cabe, por último, destacar, nesse livro, algumas observações nos capítulos fundamentais dedicados a Sigmund Freud e Walter Benjamin. No caso do primeiro, Schneider indica que ele teria lido até o fim da vida; “Se Freud ama tanto a literatura, é porque ela restaura o que a vida nos faz perder: ‘ainda encontramos ali homens que sabem morrer`” (Idem, p. 212).
No caso de Benjamin, Schneider alude ao texto a respeito de Nikolai Leskov, redigido pelo pensador alemão, para acentuar a ideia de que “no moribundo que toma forma comunicável não somente o saber ou a sabedoria de um homem, mas, antes de tudo, a vida que ele levou” (Idem, p. 220). O argumento aponta para a aproximação da morte como um impacto intenso, levando à culminância a possibilidade de narrar.
A ideia de que a significação das palavras, na escrita literária, pode estar associada, de modo nuclear, à exigência de lidar com a morte. Haveria uma relação incontornável entre o impacto de morrer (com a incerteza sobre o que acontece com o humano após a morte, ou com a necessidade de avaliar a vida a partir da consciência da finitude) e a linguagem, entendida de modo ambíguo: continuamente produtiva e ao mesmo tempo em debate com seus próprios limites.