Gabriela 30/04/2023
Ilhéus em movimento
?Gabriela, cravo e canela? é muito conhecido pelo romance de Nacib e Gabriela. Entretanto, essa é só uma das faces dessa grande obra, cujo subtítulo ?Crônica de uma cidade de interior? já mostra ao leitor atento que um mero romance não será o único tema.
Um dos livros mais famosos de Jorge Amado, ?Gabriela? é ambientado em Ilhéus, no ano de 1925, e se inicia com dois fatos interessantes. Primeiro, o assassinato brutal de Sinhazinha e dr. Osmundo pelo marido dela, o coronel do cacau Jesuíno Mendonça. Segundo, pela extrema dificuldade dos navios de aportarem em Ilhéus, devido à geografia da barra. Esses dois acontecimentos, aparentemente desconexos, são determinantes para toda a história.
Aqui, a própria cidade de Ilhéus aparece como se fosse um personagem. Cada descrição da cidade é minuciosa, cheia de vida, fazendo com que nos sintamos dentro do livro. Além de sua estrutura física (como a situação da barra), seus costumes também são dissecados e expostos ao leitor (como o assassinato de Sinhazinha e Osmundo).
?Gabriela? é sobre o conflito entre o atraso e o progresso. O atraso de uma cidade em que honra de marido traído só se lava com sangue versus o progresso de uma cidade que precisa de um porto independente. O primeiro aspecto está intimamente ligado ao segundo, pois diversas vezes o narrador onisciente nos suscita o seguinte fato: é uma cidade com ares de progresso, modernizando o comércio local, protagonizando as disputas políticas entre o ancião coronel Ramiro Bastos e o jovem metropolitano Mundinho Falcão; mas uma cidade em que as traições dos maridos ainda são vistas como normais, uma cidade em que esses mesmos maridos adúlteros, quando traídos, matam suas esposas e os respectivos amantes ? tanto que, quando o coronel Jesuíno comete seu crime, ninguém tem dúvida de que ele será inocentado pois, até o momento em Ilhéus, homem algum jamais havia sido condenado por lavar sua honra.
É neste cenário que surge Gabriela, uma jovem retirante, contratada pelo árabe Nacib para ser sua cozinheira e arrumadeira. Uma moça que traz consigo sensualidade e leveza, o cheiro do cravo e a cor de canela, riso fácil e rosa atrás da orelha? todos os seus encantos fazem com que Nacib se envolva com ela e a proponha em casamento. Quando eles se casam, entretanto, Gabriela muda: ora porque Nacib impõe mudanças ao que seria apropriado de uma senhora casada, ora porque sente-se como um pássaro engaiolado. Numa cidade como Ilhéus, em que senhoras casadas deveriam ser recatadas e caseiras, ser sorridente e livre era mal visto em Gabriela, motivo pelo qual o casamento mostra-se como uma prisão para ela.
Todo o livro é permeado por diversos aspectos que representam o atraso e o progresso. Todo o enredo macro ? da política local, dos escândalos, das querelas ? entrecruza-se com o enredo micro ? o idílio amoroso de Nacib e Gabriela. Um retrato genial de como a vida pública confunde-se com a vida privada em cidades interioranas, em especial no Brasil dos anos 1920.
Leia ?Gabriela? para além do romance e o livro se tornará ainda mais grandioso do que já é.