Lennon.Lima 29/10/2018
Sobre o livro
Viagem ao fim da noite trata-se de um relato semiautobiográfico. O personagem central é o anti-herói Ferdinand Bardamu que, assim como o seu autor, tem uma vida repleta de experiências marcantes, mas nem por isso agradavelmente memoráveis. Começamos a acompanhar a jornada de Bardamu na batalha que é a vida em sua modesta participação como simples soldado de infantaria em um dos maiores conflitos bélicos da história: a Primeira Guerra Mundial. Depois, seguimos com Ferdinand para a África colonial, por uma América do Norte em franca industrialização e novamente para a França onde passamos a conhecer a sua rotina de médico iniciante em um subúrbio de Paris.
O que achei de positivo
Esse livro é um retrato do absurdo da vida, ou, na definição de Lev Trotski sobre este romance, “panorama do absurdo da vida”. Uma das grandes virtudes que achei da escrita de Céline em “Viagem ao fim da noite”, especialmente na primeira metade do volume, é a capacidade de passar para o leitor o quão absurda, indignante, mesquinha, sem sentido são determinadas situações em que a vida pode nos colocar, ainda mais em um período de guerra. Situações que já foram naturalizadas devido a repetição constante em que se impõem, o que explica o excruciante estado de impotência a que nos submete, mas se analisadas além da superfície, revelam falta de sentido e de justiça insofismáveis.
O estilo de sua narrativa consegue transmitir, mesmo não se valendo de um discurso direto, uma crítica direta, o tom de revolta, de pessimismo e também de conformismo frustrante. É possível visualizar o jeito de ser de Bardamu e, consequentemente, de Céline. É possível imaginá-lo trombando com você na rua. Se você tem um mínimo de vivência, já deve ter cruzado com o tipo em algum momento de sua vida: desbocado, prático, contundente, de gestos largos, por vezes inconsequentes, de uma simplicidade rústica na forma de se vestir, mas digna, e dono de inteligência que não o faz um intelectual, mas esperto, malandro, principalmente em esconder suas misérias, suas fraquezas, seus medos inconfessáveis.
E essa percepção se deve ao tom, a linguagem despojada, coloquial, agressiva, incisiva, responsável muito do impacto que causou a época e que deve gerar até hoje, a mim me surpreendeu, porque ao saber que estou lendo um romance de 1932 a minha expectativa era de um tom mais formal, mais tradicional, mas de repente me vejo com a impressão de estar lendo um livro que poderia ter saído da gráfica a 10, 20 anos atrás, sem provocar estranheza. Ou seja, tem tons modernistas, é uma obra, em termo de estilo, a frente de seu tempo e que se mantém atual.
Em boa parte do livro, fiquei com a impressão de estar consumindo um livro de não ficção, mas isso não se deveu a riqueza do relato, dos detalhes de determinadas ocorrências, mas pela narrativa se semelhar muito ao estilo do gênero, se debruçando mais em relatar, explicar os porquês da concretização dos fatos e de suas consequências, do que focar em aspectos como descrição de ambientes, de aparência dos personagens, constituição física, de personalidades. Essa forma de narrar, neste caso, entendi como uma faca de dois “legumes”. Obviamente vou me ater aqui a parte positiva.
O livro é extenso
Verdade que li a versão de bolso da Companhia Das Letras, mas mesmo em um formato tradicional seria mais denso que qualquer coisa que o Felipe Neto já publicou ou venha a publicar. Sem dúvida é muita estória/história para contar e muitos personagens no enredo. Um estilo literário mais tradicional faria do volume muito maior do que é e provavelmente renderia trechos cansativos. Com esse estilo, Céline consegue expor os principais eventos de sua conturbada vida, fazer as observações, reflexões que julga pertinente e entregar uma narrativa fluída, envolvente, que faz o leitor percorrer páginas e páginas sem perceber. É o que sempre esperamos de um bom livro, não?
E esse êxito de construir uma narrativa fluída se deve, como já exposto, a linguagem acessível, cativante, impactante, o estilo objetivo, incisivo, franco, mas também ao seu incrível talento de definir situações e pessoas em pouquíssimas palavras. Poucas, mas cirúrgicas, marcantes. Esse livro é uma fábrica de frases de efeito. De boas frases de efeito. Daquelas de grifar, colar um postite amarelo no livro.
Tenho que destacar a fase na África colonial
Entendo como o melhor momento de “Viagem ao fim da noite”. Onde se reúne praticamente todas as virtudes mencionadas acima. O que acho especial dessa fase é que a escrita de Louis é exitosa em passar a desolação, o clima cáustico, o retrato palpável da condição de vida dos habitantes, o contexto da época, especialmente dos moradores locais, a condição escrava, sub-humana, desalentada, sem perspectivas, primitiva, estagnada, atrasada. É o trecho em que o leitor realmente se sente viajando sem sair do lugar. É imerso em uma gostosa solidão inculpe em região erma, na mata, afastado da civilização, sem previsão de retorno, com recursos parcos, mas suficientes, com longo tempo para pensar a vida que vivera até ali e a que gostaria de viver em futuro próximo.
A saída de Bardamu da África é, no mínimo, inusitada e o seu destino, surpreendente.
Confira no link o que achei de negativo do livro.
https://cartolacultural.wordpress.com/2018/10/28/resenha-viagem-ao-fim-da-noite/
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