Marcos Pinto 11/08/2015Um livro que faz pensarFicção é algo maravilhoso; porém, muitas vezes, é necessário ler algo que nos faça pensar, refletir sobre a realidade e nossa sociedade. Eu estava nesse momento e optei por Linchamentos: a justiça popular no Brasil. E posso afirmar, sem dúvidas, que não me arrependi. Já fazia algum tempo que eu não lia um livro com um conteúdo sociológico tão bom. Então, obviamente, precisava apresentar a obra a vocês.
José de Souza Martins, cientista social e professor titular aposentado da USP, nos apresenta uma verdade que incomoda: o Brasil é um dos países que mais lincha no mundo. E não são cem ou duzentos casos, o que já seria um absurdo; estamos falando de 2.579 pessoas linchadas nos últimos sessenta anos. É um número, no mínimo, aterrorizante.
José de Souza tenta encontrar o motivo para essa prática tão hedionda. E uma das possibilidades possíveis é que a sociedade brasileira se industrializa e se moderniza em uma superfície visível. Porém, nos cantos mais escuros do interior humano dos brasileiros, ainda apodrecemos. Afinal, os linchamentos se baseiam em julgamentos instantâneos, superficiais e sem fundamentação lógica e legal. Sem mencionar que, muitas vezes, é influenciado por motivos raciais ou de preconceitos diversos.
“O justiçamento popular se desenrola num plano complexo. Há nele evidência da força do inconsciente coletivo e do que estou chamando aqui de estruturas sociais profundas, as quais permanecem como que adormecidas sob as referências de conduta social atuais e de algum modo presentes também no comportamento individual” (p. 9).
Outro fato mencionado na obra e que me chamou muita a atenção foi a origem do linchamento em terras brasileiras. Pouco se sabe de uma maneira mais profunda, mas tal prática começou por aqui pouco depois da época monárquica. Aliás, um dos primeiros linchados foi um homem da força policial. O motivo do seu linchamento: abrigar ex-escravos em sua residência.
Outro ponto que me agradou bastante na obra foi a profunda pesquisa histórica e fundamentação acadêmica feita pelo autor. Martins apresenta ao leitor reportagens e manchetes de jornais antigos sobre o tema, o que solidifica a base de dados apresentados. Além disso, o autor usa-se de conceitos sociológicos bem trabalhados.
Não obstante o bom trabalho acadêmico do autor, a Contexto também fez o seu papel muito bem e preparou uma excelente apresentação física da obra para o leitor. O livro possui uma capa bonita e uma diagramação simples, porém, confortável. As páginas são brancas, contudo, como as letras são de um tamanho bom, a leitura não é atrapalhada. Tudo contribui para a boa apreciação do livro.
“Os linchamentos, de certo modo, são manifestações de agravamento dessa tensão constitutiva que somos. Crescem numericamente quando aumenta a insegurança em relação à proteção que a sociedade deve receber do Estado, quando as instituições não se mostram eficazes no cumprimento de suas funções, quando há medo em relação ao que a sociedade é ao lugar que cada um nela ocupa” (p. 11).
Diante de todos esses motivos, se torna impossível não indicar a obra, principalmente a quem procura uma boa leitura que irá acrescentar muito em sua visão de mundo. Linchamentos: a justiça popular no Brasil é, sem dúvidas, o melhor livro que eu já li sobre o tema.
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