Digão Livros 20/06/2016Conheci o livro a partir de uma palestra do Clóvis no Youtube, onde ele dissertava a definição de ‘canalha’.
O que eu direi abaixo não é spoiler, pois trata-se da definição que ele dissertou no vídeo, e não no livro.
O canalha é aquele (a) que toma atitudes em prol de si mesmo, mesmo que tal ato quebre o acordo com um terceiro (a), trazendo prejuízos a esse ou magoando-o (a), com tanto que ele mesmo obtenha prazer/benefício desse ato.
Ele não se preocupa com o próximo. Tem a consciência que irá prejudicar/magoar o próximo de alguma maneira, a partir do seu ato, mas isso não refrear suas atitudes, porque ao fim de seu ato, ele encontrará algum tipo de prazer/benefício.
Qualquer pessoa pode ter atitudes canalhas. Eu, você, o Papa, um monge, o Presidente, um idoso, uma criança... Ninguém está imune a essa postura, e, muito provavelmente, já o foi em algum momento ou em alguma medida.
Não há pessoas canalhas, e sim atos canalhas. É muito difícil ser canalha em tempo integral, pois isso acarretaria que todas as suas atitudes fossem em benefício próprio, após ter acordado algo diferente com outra pessoa.
E então, compro o livro! Grande expectativa! Esperança de páginas e páginas sobre todos os tipos de canalhas e canalhices de todas as épocas da humanidade.
Eis que me surpreendo. O livro é pura filosofia! – Também, o que eu deveria esperar de um livro escrito por dois filósofos né?
Minha primeira surpresa, confesso, é que filosofia é muito legal! Caraca! Por que não ensinam isso verdadeiramente nas escolas? Deveria ser matéria de concurso público!
Porque a filosofia leva à reflexão, e refletir leva ao conhecimento interior, e ao nos conhecermos, descobrimos nossos limites (ou a ausência deles) e nossas amarras, o que verdadeiramente nos liberta, mesmo que nos delimite, mas sendo essa delimitação de nossa livre escolha, a partir do nosso conhecimento interior.
O livro é uma construção em forma de bate-papo entre os dois autores. E o papo é gostoso, suave, delineado, percorrendo um caminho aprazível, que nos leva a conhecer o modo como os valores de uma sociedade foram construídos, e qual caminho percorreu.
Partindo de Aristóteles e Platão, passando por Kant e Stuart Mill, essa construção aborda situações contemporâneas, tornando-as por vezes engraçadas, e a leitura palatável.
E os conceitos sobre valores, virtudes, relacionamento, respeito, obediências, contratos, cidadania, ética, etc, vão se agrupando, tomando forma, moldando de modo que ao final (e pela primeira vez em minha vida!), o livro seja conclusivo, mas não pelas mãos dos autores, e sim pela própria conclusão de quem o lê. O livro não te impõe um fim, um modo de pensar, um paradigma. O livro te faz ter faz ter a própria visão do que é um canalha, o que é muito libertador!
Hoje, por exemplo, dentro dessa minha nova concepção, reconheço um canalha a quilômetros!
E reconheço também os diversos momentos em que fui canalha com o próximo. Sim, pois comprar dois chocolates, comer o seu e ainda um pedaço do chocolate da sua parceira é uma tremenda canalhice!
E nisso, o livro é assustador... mesmo que por um instante, mesmo que a dor proporcionada seja efêmera, em determinado momento, fomos todos canalhas!