Leonardo.S 11/02/2024
O Desejo de Imortalidade
A Negação da Morte, escrita por Ernest Becker é um grande referencial sobre o tema em questão. Só o título por si só já bastante sugestivo, nos convida e buscar entender o porquê dessa resistência que o ser humano tem em morrer… sabendo que é a única certeza que temos. O livro escrito em 1974 vencedor do prêmio Pulitzer, traz uma abordagem psicológica sobre a finitude desde os primórdios. A edição em questão foi distribuída no Brasil pela editora Record.
Logo no prefácio já nos deparamos com uma percepção interessante. A morte é algo tão temível para o homem, que a maior ameaça que podemos ofertar a outro é propriamente ela. No século XIX acreditava-se que o futuro seria das ciências, por conta do desenvolvimento e descobertas, porém, com as duas grandes guerras mundiais, ao contrário disso, provou-se que a prioridade de investimento foi no campo armamentista, incutindo o medo, através da ameaça de morte. O Autor acredita que o homem não tem uma dificuldade em enxergar pontos de vista diferentes, só não consegue lidar e incorporar ao seu convívio.
Ernest utiliza-se de Freud, Jung e outros profissionais da psicologia para exemplificar a mente humana, e em uma de suas falas, apresenta que assim como Narciso da mitologia grega, estamos sempre absortos em nós mesmos. Todas as preocupações com a vida humana são validas, mas a nossa vida primeiro (vide exemplo do que foram as principais falas durante a pandemia em 2020). O homem que marcha numa guerra, tem em seu coração o sentimento de imortalidade, ele acredita que seu vizinho sim tem grandes chances de morrer, mas ele mesmo sente-se poderoso a ponto de ser imbatível. Esse sentimento é algo que o próprio ego o apresentou durante muitos anos, desde a primeira infância.
Por isso numa guerra, há muitos jovens com senso de heroísmo natural, querem o destaque, querem ser excepcionais na sociedade, buscam a glória pessoal que garantirá certa imortalidade, agregando nas relações valores maiores para si mesmo, sejam eles monetários ou morais. Então por essa busca de validação, são capazes de dar a própria vida pelo que acredita, por sua pátria, por sua família, por seus ideais ou por sua religião, contanto que sinta que seu ato realmente foi um sacrifício heroico, um ato nobre. O heroísmo é antes de qualquer coisa, um reflexo do terror da finitude.
Ernest apresenta o desconforto de falarmos sobre a morte, o ser humano lida com todas as questões possíveis, mas o fim ainda é um tabu emocional. E essa repreensão pode ter sido criada organicamente, desde muito cedo, na primeira infância a criança ainda não tem noção da morte, mas quando a reconhece, isso impacta toda sua concepção de mundo, para o resto da vida.
"EM OUTRAS PALAVRAS, O TEMOR DA MORTE DEVE ESTAR PRESENTE POR TRÁS DE TODO O NOSSO FUNCIONAMENTO NORMAL, A FIM DE QUE O ORGANISMO POSSA ESTAR ARMADO EM PROL DA AUTOPRESERVAÇÃO. MAS O TEMOR DA MORTE NÃO PODE ESTAR PRESENTE DE FORMA CONSTANTE NO FUNCIONAMENTO MENTAL DO INDIVIDUO, CASO CONTRÁRIO O ORGANISMO NÃO PODERIA FUNCIONAR".
E o medo da morte está atrelado ao paradoxo: O homem é simbólico e se sente um pequeno deus na natureza, dá significado a tudo vivo e não vivo, mas por fim ainda é “um verme que ao morrer, alimentará outros vermes”. Ainda há contextos que apresentam essa síndrome de pequeno deus, independente da glória, dos feitos, da inteligência, ainda somos seres que defecam e necessitam comer e beber todos os dias, e somos demasiadamente fracos, podemos morrer de inúmeras formas.
O Livro é complexo e completo, há muitas e muitas abordagens e críticas, que buscam desconstruir um pouco alguns teorias freudianas (principalmente as falocêntricas). Apresenta fundamentalmente que tudo nasce na primeira infância. A transferência que a criança exerce em relação as figuras de mãe e pai, como ela coloca-os como figuras divinas e depois descontrói essa percepção, mudando assim o comportamento com a família e se reconhecendo com um ser independente. Mas essa dependência ainda é necessária, então transferem essa divindade para outras pessoas, ceitas, religiões e relacionamentos.
Mais além, o autor explica que é necessário essa ancora emocional para nos manter vivo, embora vivemos um dualismo (sou um deus e sou um animal) o organismo (que luta para nos manter vivo e nos protege da morte), não conseguiria viver num mundo fatídico e fatalista (isso acarretaria uma depressão em massa e outros problemas psicológicos. Embora a angústia humana seja algo recorrente que quase todos já passaram). O corpo físico do homem simbólico ainda é um problema a se resolver, e cada dia mais as pessoas buscam esticar o tempo de vida e buscar por meios científicos a imortalidade.
Esse desejo de imortalidade ganha força na religião, que busca apresentar que o fim não é a morte, então concede uma sobrevida esperançosa de glória. O autoconhecimento que a psicologia oferece também tem o pode de racionalizar melhor a vida e aproveitá-la com suas qualidades e entender melhor suas neuroses.
Por fim, para não alongar mais ainda um review impossível, o livro trata de forma geral o homem e seus medos, mas não apenas medos banais, mas os mais intrínsecos e inconscientes, pois é o único ser na terra que consegue raciocinar suas atitudes, sentir-se correto de acordo com seus valores e considerar e temer a ideia de finitude. Todos os outros animais não sofrem com o medo da morte, nem temem não ter uma boa vida. O homem se arrisca diariamente a morrer em prol de viver a vida, já que se tentasse de alguma forma não correr riscos, já estaria morto por dentro.
É um livro espetacular, principalmente aos que gostam e estudam temas da psicologia, da filosofia, sociologia, teologia e tudo que remete a existência do homem. Provando ali por fim, que embora consigamos entender as mazelas da mente, o metafisico é o que nos ajuda a manter-se de pé, acreditando e alimentando essa nossa grandeza que é estar vivo!
site: https://espacols.com.br/livro/a-negacao-da-morte/