neo 07/08/2015Esse livro é meio complicado para se resenhar. Foi uma leitura que me frustrou bastante; primeiro por causa dos probleminhas que citarei mais adiante, e segundo, porque a história é muito boa, mas tais probleminhas me impediram de aproveitá-la de verdade.
Quem é meu amigo no Goodreads/Skoob (ou dá uma olhada no que estou lendo no tumblr, vai saber) pode ter percebido que eu demorei um tempo para terminar Lua de Sangue. É um livro meio longo (quase 570 páginas na versão que eu li), mas bem, estou acostumada a livros longos. Dos quase 20 dias que levei para terminá-lo só o li mesmo em três ou quatro. Sempre que eu estava lendo me deparava com algo que me irritava e puf, acaba deixando o livro de lado por uns dias.
Mas vamos falar da parte boa primeiro.
Antes de mais nada, eu gostei bastante da escrita do autor. É o tipo de escrita que faz com que você nem note que está lendo e a leitura flui que é uma maravilha. Eu começava a ler e depois do que parecia ser apenas alguns minutos me tocava que tinha lido 60, 70 páginas sem nem notar a passagem do tempo. A mitologia também é bastante interessante, e eu gostei particularmente de como a licantropia e o vampirismo foram explicados de forma científica, mas meu aspecto favorito mesmo foi a forma com que cada raça (vampiros e lobisomens, se não ficou claro até agora) foi organizada. Achei bem feito e original, e história de ambas foi bem interessante (principalmente a dos vampiros).
O livro conta com vários personagens para narrar a história; alguns estão lá desde o início e outros são introduzidos depois ou raramente ganham um capítulo para si. Não achei que nenhum personagem tenha desenvolvido voz real (lá perto do final até li um capítulo inteiro pensando que era o Steve narrando, mas era o Worlam. E só percebi o erro porque um capítulo do Steve começava logo após, então obviamente o capítulo que eu tinha acabado de ler não poderia ter sido dele. Enfim) e nenhuma personalidade ficou definida de verdade. E como eu disse, são vários os personagens. Passei boa parte do livro tentando me lembrar de quem era quem.
As partes mais científicas ou as explicações sobre as duas raças, apesar de sim interessantes, foram meio infodump. Algumas conversas (principalmente as entre Steve e Matthew) só estavam ali para passar essas informações para o leitor e enquanto isso não é, nem de longe, errado (claro, né), a coisa toda ficou muito óbvia. E como as informações eram muitos e vinham todas de vez ficou meio impossível lembrar de tudo durante a história. Eu já tinha esquecido a diferença entre lobisomem puro, meio lobisomem, etc, etc, etc, um capítulo após os personagens terem conversado sobre isso.
Se os problemas fossem apenas esses, porém, Lua de Sangue receberia facilmente umas três ou três estrelas e meia e sentaria toda confortável como um dos melhores livros brasileiros de fantasia que já li (o melhor recebeu quatro estrelas, então né). Como eu disse lá em cima, a história é muito interessante, e é também bem planejada e desenvolvida. Não sou muito fã de lobisomens x vampiros e blá blá blá, mas aqui essa rivalidade me agradou bastante.
Por que acabei não gostando desse livro então?
Simples: eu odiei os personagens.
E não digo isso apenas como ah, esses personagens são chatos, mas sim como ah, esses personagens são desprezíveis!
Antes de tudo, vale falar que as personagens femininas desse livro são uma piada. Aliás, Lua de Sangue é total clube do bolinha. Só tem homem. E olha que nem falo isso apenas sobre os papéis principais. Nope. Como os lobisomens são em sua maioria homens (e as mulheres lobisomem só servem mesmo pra procriar, aparentemente, com frequência morrendo no parto) e a maior parte dos capítulos se passa do ponto de vista de lobisomens, todo mundo, em 99% do tempo, é homem. Nem mesmo os personagens terciários, quaternários, o que seja, são mulheres. Só tinha mulher mesmo nos capítulos dos vampiros, e lá elas (vampiras, óbvio) eram apenas concubinas que na maioria das vezes só serviam como enfeite e acabavam morrendo de forma horrenda nas mãos de algum vampiro por literalmente razão nenhuma além de mostrar o quão perturbado/terrível o tal do vampiro era.
A única personagem feminina de importância foi a Lina, a namorada do Steve, que, tecnicamente, é tipo, terrivelmente importante mesmo. Mas ela passa a história sendo inútil, não tomando nenhuma decisão nunca, obedecendo a literalmente todo mundo sem pestanejar e servindo apenas para os lobisomens a levarem de um canto pra outro (sabe o 1% que sobrou ali em cima? Então, é a Lina). O romance entre Lina e Steve quase fez com que eu furasse meus próprios olhos, principalmente quando o Steve começava a devagar sobre como a Lina era pura e inocente, e blá blá blá, porque sinceramente, essa deve ser a dinâmica mais medieval da face da terra.
Mas voltando aos personagens: eles são tipo aqueles caras babacas de Facebook (pessoas do Facebook, nada contra, mas vamos pelos estereótipos). Sabe os marmanjos que vão zoar outros caras se eles apresentarem características femininas? Que vão chiar e ficar todos indignados se alguém sugerir, mesmo de leve, que eles são gays? Que são hurr durr eu sou machão hurr durr?
Então, assim são os personagens de Lua de Sangue. Na minha opinião, é claro.
Depois de ter que ler dois vampiros trocando alfinetadas, um deles tentando zombar do outro porque ele gostava de poesia e de anéis (??? por que obviamente essas são coisas que apenas gays e mulheres gostam????? hã????) (e obviamente um homem deve sentir vergonha por hm, ser gay ou hm, gostar de coisas femininas???), mais um vampiro chamado Edward dizendo que estava pensando em mudar de nome porque um tal de Edward de um livro de romance com vampiros famoso era conhecido por ~engolir espadas~ (sim, é isso que você está pensando mesmo. Engolir espadas. E sim, o livro é Crepúsculo. Olha, eu não vou nem comentar. Prossigamos) e o Steve ficando meio alvoroçado porque alguém perguntou se ele tinha uma amada ou um amado, eu já estava pronta para jogar o livro na parede (o que não fiz porque li no meu tablet). O livro é todo assim, quase gritando EU SOU MACHO!!!!!!!!!!!!!!! na minha cara a cada três páginas.
Ah, Neo, você pode estar pensando, mas homens são assim mesmo! Sim, eu sei. Eu tenho um Facebook lol Eu obviamente conheço homens que são assim. São a maioria, na verdade. Mas sabe o que eu sinto por esses homens? DESPREZO.
Então sim, é uma coisa normal. Realística. Mas o inferno vai congelar antes de eu sentir o mínimo de simpatia por um homem (fictício ou não) tão ridículo. Sinto muito.
(Na verdade não sinto a mínima).
Como vocês (provavelmente) sabem, eu não me identifico como mulher, mas bem, eu fui criada como uma. E ser criada como mulher significa ouvir durante boa parte de sua vida sobre como características femininas são desprezíveis, inúteis e menos importantes. Já falei sobre isso aqui no blog, mas esse é um dos motivos de existirem tantos livros sobre ~meninas que não são como todas as outras~, já que na mente de boa parte da população ser uma menina normal = ser uma palerma fútil. Boa mesmo são as meninas que não gostam de coisa de mulherzinha, certo?
Então se você é uma mulher/foi criada como uma mulher e tiver sorte de perceber que ei, características femininas não são ruins e que ei, isso é misoginia, você passa a não tolerar pessoas que falam merda dessas tais características femininas com uma facilidade incrível.
Tipo, não sei se deu pra se tocar, mas é meio que uma péssima ideia fazer de todos os personagens homens que odeiam características femininas???? I mean, para pra pensar. Pelo menos 50% do potencial público leitor de qualquer pessoa é de mulher/pessoas criadas como mulheres, que, obviamente, em sua maioria possuem características femininas. E aí estão quase todos os personagens da história, zombando de pessoas que possuem essas mesmas características... Simplesmente porque elas são geralmente associadas à mulheres... E ser associado à mulheres é obviamente uma tragédia que homens não conseguiriam superar nunca, pobres almas. Tsk.
¯\_(ツ)_/¯
Mas a gota d'água mesmo foi esse trecho:
Passei então um longo momento analisando os vários volumes que encontrei por ali. Alguns me pareciam bem interessante, enquanto outros soavam um tanto estranho ou com um apelo sexual muito grande.
–Por que você lê esse tipo de coisa? – perguntei, devolvendo a estante um último romance asqueroso, provavelmente escrito por uma mulher sem atrativo algum, solteira e solitária – Alguns desses livros chegam a ser repulsivos.
–Eu sou bastante eclético. – ele respondeu, ainda ocupado com seus livros de pesquisa – Quando se mora sozinho no meio do nada, você aprende a deixar seus preconceitos de lado. Além do que, gosto de saber o que os humanos, em sua ignorância, imaginam de nós.
Separei meus lábios um do outro para dar início a um comentário divertido, mas detive todas as minhas boas reações ao segurar entre os dedos um volumoso livro de capa negra com um par de mãos segurando uma maçã na capa.
–Você, realmente, se deu ao trabalho de ler isto? – disse, exibindo o livro com um sorriso decadente – Autores românticos de verdade não precisam recorrer a artifícios alegóricos para representar situações e sentimentos em suas obras, eles conseguem fazer isso com elementos reais, sem apelar para uma ridicularização da nossa imagem.
William ajeitou os monóculos, parecendo surpreso.
–Ah, isso. – ele constatou, aliviado – Steve, eu já li tantos romances adolescentes, ou não tão adolescentes, com apelações alegóricas tão mais grotescas que fariam você pensar essas estranhezas como detalhes triviais.
–Eu só digo uma coisa: Se vampiros simplesmente brilhassem ao sol e lobisomens fossem tão frescos, a raça humana já teria sido escravizada. – comentei, devolvendo o livro à prateleira – E ainda diz que se inspirou em Emily Brontë... Quanta blasfêmia.
Pra começar, é claro que o personagem principal (que narra essa cena) vai falar merda de escritoras de romance. Óbvio. Esse tipo de coisa faz parte do comportamento básico do homem babaca, então surpresa alguma aqui. Já perdi a conta de quantas vezes já não vi caras por aí enchendo a boca pra falar horrores de livros de romance e de quem os escreve, e como sigo várias autoras de romance no Twitter (não leio romance algum, mas escritoras de romance > escritores de sci-fi/fantasia em questão de diversão, sinto muito) já vi muitas delas tendo que lidar com artigos, posts e pessoas aleatórias em suas mentions falando merda do gênero. É comum pra elas, coisa do dia a dia, e justamente por ver isso com tanta frequência que hoje em dia basta alguém falar uma vírgula sobre romance (não opiniões/gosto, já que eu mesma não sou muito fã, mas falar mal mesmo) que eu me inflo no maior estilo baiacu. Porque tem tanta misoginia misturada com esse desprezo todo pelo gênero, mas tanta... Olha, tem que ser muito cego para não ver que tem algo de suspeito com o fato de o gênero mais lido no mundo, o gênero que basicamente sustenta a indústria (junto com YA), o gênero que é o mais escrito por mulheres para mulheres, ser tão desprezado e ridicularizado. Eu aposto meus livros todos que se o público alvo dos romances fosse o homem as coisas seriam bastante diferentes.
Então, não, não fale mal de romance perto de mim. Nope.
(E é claro que o babaca do personagem principal tem que relacionar a aparência da mulher, o fato de ela ser casada ou não, com a suposta falta de qualidade do livro dela. Pfff).
(Falar pra vocês que eu passei a maior parte da história torcendo pro Steve tropeçar, bater a cabeça e morrer. Bleh).
E sim, ali tem outra alfinetada a Crepúsculo!!!! Vamos falar mal do livro de vampiros mais famoso dos últimos anos apenas porque sim!!!! Vamos ridicularizar uma obra que tem milhões de fãs!!!! Fãs que podem estar lendo este livro agora mas quem se importa!!! Vamos alienar parte do nosso potencial público!!!!
(E falem o que quiser, mas esse trecho basicamente gritou meus vampiros são melhores do que os seus, Meyer!!!!!!!!!!).
Sinceramente? Acho que no fim das contas o problema é que eu não sou o público alvo desse livro. A maior parte das pessoas vai passar por ele de boa sem se irritar com nada com que eu me irritei, e isso é normal. Homens principalmente, mas mulheres também. Mas eu não curto livro clube do bolinha babaca não, feliz ou infelizmente. E não consigo gostar de um livro se eu não gostar de pelo menos alguns personagens, coisa que obviamente não aconteceu aqui. Não rola, ainda mais quando os personagens são tão imbecis.
Enfim, 2.0 estrelas para Lua de Sangue.
site:
http://chimeriane.blogspot.com.br/