spoiler visualizarMaria5869 24/09/2023
O fantasma de Canterville
" ? Não, não vá, Miss Virginia! ? exclamou o fantasma. ? Estou tão só e tão desgraçado que não sei verdadeiramente o que fazer. Quero dormir e não posso.
? Mas isso é absurdo! Basta deitar-se e soprar a vela. Às vezes, é difícil vezes, é difícil a gente manter-se acordada, na igreja sobretudo, mas dormir é coisa bem fácil. Até os próprios bebés o sabem, e, todavia, não são muito inteligentes.
? Há trezentos anos que não durmo ? disse ele com tristeza (os belos olhos azuis de Virginia dilataram-se de espanto). ? Há trezentos anos que não durmo, e estou tão cansado!
O rosto de Virginia tornou-se grave e os labiozinhos puseram-se a tremer como pétalas de rosa. Aproximou-se do espectro e, ajoelhando-se junto dele, ergueu os olhos para a velha face enrugada.
? Pobre, pobre fantasma! ? murmurou.?Não há então local onde possa dormir?
? Lá em baixo, para lá do pinheiral ? respondeu ele numa voz lenta e meditativa ? há um jardinzinho. A erva, ali, é espessa e alta, salpicada das grandes estrelas brancas e toda a noite cantam rouxinóis. A fria lua de cristal reclina-se para ver melhor, e o cipreste estende os seus braços gigantescos sobre os que dormem.
Os olhos de Virginia velaram-se de lágrimas e escondeu o rosto nas mãos.
? Fala do cemitério, bem sei ? murmurou.
? Sim, do jardim da morte! A morte deve ser tão bela!
Repousar na terra doce e escura, tendo as ervas a ondular por cima de nós, e escutar o silêncio! Não ter ontem, nem amanhã!
32 Esquecer tempo! Esquecer a vida, estar em paz! Talvez possa ajudar-me, abrir para mim as portas da casa da morte, porque o amor, mais forte do esta, vive em si, Miss Otis.
Virginia estremeceu; percorreu-a toda um calafrio; durante momentos, fez-se silêncio. Tinha a impressão de estar a ter um terrível sonho. O fantasma voltou então a falar, e a voz dele parecia um suspiro do vento.
? Já alguma vez leu a velha profecia inscrita nos vitrais da biblioteca?
? Oh, muitas vezes! ? exclamou a Virginia, erguendo os olhos para o seu interlocutor. ? Conheço-a muito bem. Está pintada em curiosas letras negras e é difícil de ler. São apenas seis versos:
Quando uma criança de coração puro conseguir Tirar dos lábios pecaminosos uma prece, Quando a estéril amendoeira florescer, Quando dos olhos puros brotar uma lágrima, Esta casa ficará para todo o sempre tranquila, A paz voltará a Canterville.
? Mas não sei o que isto quer dizer.
? Isto quer dizer ? respondeu ele tristemente ? que a menina deve chorar comigo pelos meus pecados, porque eu já não tenho lágrimas, e rezar comigo pela minha alma, porque nada me resta de fé. Então, se tiver sido sempre meiga e boa, o anjo da morte terá piedade de mim. Há de ver, na escuridão, vultos horríveis; vozes maldosas falar-lhe-ão ao ouvido, mas não sofrerá mal algum porque o inferno nada pode contra a pureza de uma criança.
Virginia não respondeu e o fantasma torceu as mãos com desespero, baixando o olhar sobre a cabeça coroada de cabelos de ouro reclinada perto dele. A jovem ergueu-se de súbito, muito pálida. Um estranho clarão perpassou pelo seu olhar.
33 ? Não tenho medo ? disse ela com firmeza. ? Rogarei ao anjo que tenha piedade de si."
Aí essa história foi tão bonitinha, amei o final.