Antonio Luiz 15/03/2010
Caminhos para o fim
Esqueça "Indiana Jones" e "Tomb Raider". Para compreender a ascensão e a súbita queda de civilizações como as que ergueram os impressionantes moais da Ilha da Páscoa e as pirâmides da selva guatemalteca, as melhores pistas são humildes restos de lixo e traços de pólen pacientemente identificados e contados.
Mas as histórias que revelam são tão surpreendentes quanto as fantasias de Helena Blavatsky e Erich von Däniken e muito mais importantes para nossa sobrevivência, como mostra o biólogo estadunidense Jared Diamond (autor de "Armas, Germes e Aço") em "Colapso: como as sociedades escolhem o fracasso ou o sucesso".
Ao chegarem por volta de 900 d.C., os primeiros pascoenses viram um paraíso subtropical, ocupado há milhões de anos por palmeiras gigantescas, florestas densas e uma grande variedade de aves marinhas e terrestres. Seus descendentes de hoje só herdaram matagais ressecados, ratos e insetos.
A julgar pela densidade das construções e plantações, a população chegou a talvez vinte mil, várias vezes superior à atual. Seus clãs derrubaram árvores para ter espaço para plantar, lenha para cozinhar e aquecer-se, construir canoas, cremar os mortos e transportar e erguer os famosos moais.
Entre 1400 e 1600, a ilha ficou totalmente desmatada, como mostram o desaparecimento de polens de árvores e os restos de fogueiras feitas com ervas e bagaço de cana. Foi o fim da pesca de alto mar, da caça e dos frutos selvagens e a erosão do solo pelo vento e pela chuva reduziu drasticamente as colheitas (como mostra, de forma romanceada, o filme Rapa Nui, de Kevin Reynolds).
Por volta de 1680, chefes e sacerdotes foram depostos e sucederam-se sangrentas guerras civis. Os moais foram derrubados no que, para Diamond, foi uma expressão de fúria e desilusão análoga à derrubada das estátuas de Stálin após o colapso soviético. Tradições nativas, pontas de lança espalhadas e restos humanos em pilhas de lixo apontam para uma explosão de fome, guerra e canibalismo que reduziu a população aos dois mil habitantes encontrados pelos europeus no século XVIII.
Algo semelhante se deu com os maias. Sua população cresceu e mais ainda as necessidades ambientais, impostas não só pela sobrevivência, mas também pelos luxos da nobreza e pela construção de monumentos, enquanto seus recursos ambientais diminuíam devido à erosão dos solos desmatados. Em seu apogeu, viviam no limite do que o ambiente podia suportar. Quando mudanças climáticas naturais trouxeram secas prolongadas, os recursos restantes esgotaram-se rapidamente e revoltas das massas famintas trouxeram o colapso súbito.
O fim da colônia viking da Groenlândia, que floresceu de 980 a cerca de 1420 é análogo, mas a gota d’água não foi a seca, mas o esfriamento do clima no final da Idade Média – e talvez também o conflito com os inuits (esquimós), que chegaram à ilha por volta de 1200. O sucesso dos inuits mostra que esse desfecho não era inevitável: a sustentabilidade no Ártico não era impossível. Os vikings talvez tivessem sobrevivido se aprendessem seus métodos, em vez de insistir em conservar o estilo de vida importado da temperada Noruega.
Já os habitantes de Tikopia, ilhota perto do arquipélago Salomão, a transformaram em um grande pomar e abandonaram a criação de porcos por mais peixes e frutos do mar. Com isso, sustentam há milênios uma densidade demográfica superior à de Páscoa em seu apogeu. Muitas vezes, a fome levou ilhéus à morte por inanição ou ao suicídio, apesar do controle demográfico por abortos e infanticídios, mas nunca houve um colapso.
O xogunato Tokugawa seria outro sucesso: obcecado por auto-suficiência, impôs a silvicultura e o manejo racional de florestas, enquanto o Japão mudava hábitos de consumo e alimentação para se ajustar de maneira sustentável à disponibilidade de madeira e terras de cultivo, sem precisar de importações.
São lições interessantes. Infelizmente, Diamond, especialista em ecologia, não em história ou economia, deixa a desejar ao tentar aplicá-las ao mundo moderno, a começar pelo genocídio de Ruanda. Tem razão ao dizer que o “ódio étnico” não basta para explicá-lo: hutus chacinaram não só tutsis como também membros incômodos ou relativamente privilegiados de seu próprio povo.
Mas é simplista ao explicar a tragédia como ajuste malthusiano da população à disponibilidade de recursos – outros países, ricos e pobres, convivem com densidades maiores – e esquecer a história de exploração colonial, dívida externa e imposições do FMI a Ruanda, com as usuais conseqüências de pobreza, falta de recursos tecnológicos, fragilidade do Estado e concentração de renda.
Diamond parece sugerir que os ruandeses deviam ter “escolhido” controlar sua natalidade. Mas, do ponto de vista de hutus e tutsis, não teria sido melhor “escolherem” terem sido eles a conquistar, colonizar e explorar a Bélgica, em vez do contrário? Talvez hoje tivessem acumulado capital para construir uma indústria moderna e uma agricultura produtiva e contemplassem com horror valões e flamengos a se trucidarem com facões numa Bélgica “superpovoada”.
O autor tenta escapar ao rótulo de “determinista ambiental” explicando como sociedades em ambientes similares – Haiti e República Dominicana, por exemplo – fizeram “escolhas” diferentes, com diferentes graus de sucesso. Mas lhe faltam conhecimentos de história (parece pensar que o Haiti se isolou, ignorando sua dependência econômica dos britânicos e depois dos EUA) e sobram ingenuidade e conformismo quanto às condições nas quais são feitas tais “escolhas”.
“Em toda sociedade nas quais as pessoas encontram outros indivíduos com quem não têm vínculo familiar ou relacionamento de clã, a regulamentação do governo foi criada por ser necessária para o cumprimento dos princípios morais” – como se não fizesse diferença que vínculos (feudais, monetários ou outros) unem a sociedade e como – e por quais setores da sociedade – o governo é controlado.
Para Diamond, o risco de colapso global é real e os padrões de consumo do “primeiro mundo” são insustentáveis. Mais ainda se imitados pelos países periféricos – dos quais o maior, a China, caminha a passos largos para isso. Mas não ousa sugerir aos pobres conformar-se à pobreza, nem aos ricos reduzir o consumo: torce, como quem aposta em cavalos, para “forças construtivas” vencerem a corrida com as “destrutivas”.
Dá, é verdade, conselhos à torcida, tais como processar, boicotar e pressionar as empresas. Responsabiliza o “público” por criar condições que permitem a elas lucrar de forma a prejudicá-lo, pois “as empresas privadas têm a obrigação de maximizar os lucros de seus acionistas, desde que o façam de forma legal”. Sem refletir se isto é de fato uma lei natural igualmente aplicável nos EUA, China, Cuba, Ruanda, Haiti ou ilha de Páscoa.
Sugere também premiar empresas responsáveis e dá o exemplo com elogios rasgados à Chevron pela proteção à fauna e flora do campo de petróleo de Kutubu, Nova Guiné, que inspecionou a serviço de um convênio entre a transnacional e a WWF. Esquece danos ambientais e violências cometidos pela mesma empresa ao lado de regimes autoritários na Indonésia e Nigéria e suas doações a organizações e partidos antiambientalistas – e que, mesmo mantendo limpas as vitrinas exibidas a ambientalistas amigáveis, a indústria do petróleo agrava o efeito estufa e traz o risco de derramamentos desastrosos.
O pensamento de Diamond é crítico do ultraliberalismo e favorável à ação coletiva, mas conservador nos fundamentos. Lembra às vezes Karl Polanyi e John Gray, bem como Joseph Stiglitz, George Soros e Jeffrey Sachs, mas sua ênfase exclusiva em estabilidade e sustentabilidade dá ainda menos espaço a igualdade e liberdade, como mostram os elogios ao despotismo ambientalmente esclarecido dos xóguns e do ditador dominicano Joaquín Balaguer. Mas não se pode negar que "Colapso" vale, no mínimo, como introdução a métodos e resultados da arqueologia moderna e ilustração de sua importância prática.