JB 30/07/2009
Mais uma pérola de Orwell
Falar que a obra de um autor é resutado de suas vivências pessoais, chega a ser de uma obveidade e estupidez agressivas. No entanto, na vida de todos os que se dedicam à qualquer ramo da atividae humana, há sempre uma experiência que os marcará para o resto da vida e será um dos fios condutores de sua produção.
Esse fato, no caso do escritor e ensaísta inglês George Orwell, chamou-se "Guerra Civil Espanhola", o cruel conflito europeu que antecipou e desenhou o conflito que surgiria poucos anos depois, a Segunda Guerra Mundial.
No entanto, convém notar que o livro de Orwell (na verdade a composição de vários deles) nos mostra um painel diferenciado do confito em si e das questões políticas que o condenaram ao fracasso de antemão. Essa visão arguta e incisiva decorreu de um fato que poderia se dizer "acidental": como não chegasse à Espanha com as credenciais do Partido Comunista Inglês mas sim do Partido Trabalhista independente, não foi engajado nas chamadas Brigada Internacional mas sim na brigada do Partido Obrero de Unificación Marxista (POUM) de inspiração trotskista.
Essa questão aparentemente secundária, foi determinante para que todas as contradições emergentes da conjuntura internacional dos partidos de esquerda ficassem evidentes e aflorassem de forma terrível. Basta lembrar que na então União Soviética estava sendo travada uma disputa ideológica que sangrou o movimento comunista internacional, ou seja, os espurgos e também a decretação, por parte de Stálin, da sua renuncia ao internacionalismo que teve como suas vozes Trotsky, caído em desgraça quando da disputa pela sucessão de Lênin como líder do governo comunista soviético.
A disputa que se faz no plano internacional, como não poderia deixar de ser, refletiu diretamente no conflito espanhol de forma dramática e quase inimaginável: dado que a União Soviética era a principal fonte de fornecimento de armas para a Espanha, impôs sua política de "caça às bruxas" que estava vigente nas terras dos soviets.
Cria-se, portanto, uma contradição absoluta uma vez que, além de não intervir com tropas, a União Soviética implanta um "conflito" interno que leva à divisão das forças que lutavam contra Franco. Todo esse trajeto é excepcionalmente dissecado por Orwell, merecendo uma leitura detida.
Por último, gostaria de dedicar algumas linhas à uma veemente crítica que o autor faz contra a manipulação da informação e da criação de uma "verdade" que não corresponde absolutamente ao que ele próprio viu e viveu no "front". Gostaria de transcrever um pequeno trecho que encontra-se na página 276 do livro: "... No passado, as pessoas mentiam deliberadamente ou enfeitavam inconscientemente o que escreviam ou esforçavam-se para chegar à verdade, sabendo muito bem que deveriam cometer vários erros; mas, em cada caso, acreditavam que aqueles "fatos" tinha existido e eram, em maior ou menor grau, passíveis de serem descobertos. (...) Um historiador britânico e um historiador alemão discordariam profundamente sobre muitas coisas, ate´mesmo sobre princípios fundamentais, mas ainda haveria aquele conjunto de, por assim dizer, fatos neutros sobre os quais nenhum dos dois contestariam um ao outro. É apenas essa base de concordância comum, com a implicação de que os seres humanos são todos uma única espécie animal, que o totalitarismo destrói. A teoria nazista na verdade nega, explicitamente, que algo como "a verdade" exista. (....) O objetivo implícito nessa linha de raciocínio é um mundo de pesadelo, no qual o Líder, ou alguma panelinha do poder, controla não só o futuro mas o passado. Se o Líder diz de tal ou qual evento: "Nunca aconteceu", bem, então nunca aconteceu. Se ele diz que dois e dois são cinco - bem, dois e dois são cinco. Essa perspectiva me assusta uito mais do que bombas - e, depois da nossas experiência dos últimos anos, está não é uma afirmação frívola".
Na minha visão esse parágrafo permeia todas as principais obras de Orwell mas tem uma terrível e perene atualidade. Em um mundo de um poder hegemônico absoluto que é, no fim das contas a intenção de todo regime totalitário, as opiniões não são apenas manipuladas mas transformam-se num ente de manipulação irresistível. Será que não estamos passando, em termos internacionais ou nacionais, o mesmo processo? Fica a pergunta.
Portanto, ler esse livro é percorrer um universo perene de experiências e ter mais elementos para ter uma visão não apenas de um evento perdido no tempo mas da consolidação de um aparato ideológico que venceu o tempo e chega até nossos dias. Recomendações sinceras.