underlou 10/07/2021
Faces de uma Persona
"Sou uma mulher - uma mulher sozinha, dedicada à sua carreira, com uma filha."
Liv Ullman relata, já nas páginas finais, que a ideia de um livro de memórias germinou nos bastidores do filme "Face a Face" (1976) enquanto ela, o diretor do filme e parte do elenco divagavam sobre a morte. No final daquele ano, publicou "Mutações".
Este livro não é apenas um manual para jovens atrizes, tampouco apenas um relato da relação com Ingmar Bergman, como muitos esperam ou vendem. É um livro de memórias cruas, objetivas, às vezes desconcertantes, de uma mulher honesta consigo mesmo que, àquela altura, sentia o peso da idade a consumi-la. Em várias passagens, nota-se a estranheza e melancolia estampada em sua face, como se estivéssemos diante de uma imagem em movimento.
Liv esboça com ternura passagens de sua infância remota, muito para traçar paralelos com a criação de sua filha Lin (a quem aliás dedica o livro), ao mesmo tempo em que, inevitavelmente, busca esclarecer para si as consequências de sua relação com Bergman. Pelo modo como a atriz traz à tona alguns temas, sua escrita se assemelha muito a um diário, tanto que assume esse gênero nos capítulos finais, com o qual ela tenta catalizar seus sentimentos, o que considero ótimo, pois me parece ser sempre a finalidade primeira da escrita.
Por fim, se é que seja possível indicar um trecho que sintetize o teor deste livro, eu me direcionaria para a página 22 (edição da Círculo de Livros) na qual a autora justifica sua condição de mulher, de ser humano. Gosto da ideia impressa de que todos nós passamos por mutações ao longo da vida, o que parece de imediato até óbvio demais, mas é algo que deixamos escapar em meio às tribulações e às pequenas glórias de nossas jornadas. Uma mutação é, segundo a atriz, parte de nossa responsabilidade enquanto seres vivos de nos mantermos atentos às transformações intrísecas a nossa natureza. É enfim um contínuo processo de autocompreensão. Assim, se é esse tipo de aprendizagem que se espera deste livro, é afinal o que se tem.