skuser02844 17/05/2023
Inspirador
A linguagem de Shakespeare não é de maneira alguma fácil, principalmente para quem não está totalmente acostumado, assim como eu, porém, essa comédia traz uma leveza que ao menos a mim, tornou a leitura bastante fluída e rápida.
O nome da obra é determinante e já mostra de cara ao redor de quem a história evolui. Antônio é homem de ótimo coração, possuidor de diversos navios mercantes e disposto sempre a ajudar as pessoas.
Esse livro traz algumas histórias de amor um tanto quanto divertidas, e também uma tensão entre Antônio e Shylock, seu desafeto, que nos faz refletir um pouco sobre a nossa posição a respeito de justiça e vingança, que muitas vezes se confundem.
Quase todo mundo já esteve na pele ou conhece uma pessoa que muitas vezes busca a vingança contra algo ou alguém, sob o disfarce da justiça. Em muitos casos o que há é apenas a sede pelo sofrimento do outro, com a desculpa de que aquele está pagando por aquilo que cometeu, ou por algo que não cumpriu.
Na minha visão o livro também traz doses de xenofobia e preconceito religioso que ocorre entre Antônio e Shylock, e que são uns dos pilares para a animosidade entre os dois. Além disso, os dois personagens tem perfis extremamente antagônicos. Antônio está sempre disposto a ajudar o próximo e não nega de maneira alguma auxílio aos amigos, inclusive com dinheiro, sem se importar com um grande acúmulo de bens; já Shylock é tido como um agiota, empresta dinheiro a juros altos e é ganancioso, na grande maioria das vezes colocando a questão material acima de tudo.
Nesse embate entre ambos ocorrem alguns momentos marcantes, em que fica evidente como a obra de Shakespeare - e nesse caso, "O mercador de Veneza" especificamente - serviu de enorme inspiração para dois filmes nacionais: "O Auto da Compadecida" e "Ó Paí, Ó".
Quem já assistiu ao primeiro com certeza se recorda da negociação entre Chicó e o pai de Rosinha, em que o fazendeiro, como garantia de um empréstimo, formaliza um contrato que diz que caso não haja o pagamento, Chicó deverá pagar com uma tira de couro das costas. E que posteriormente para se safar de ter o couro arrancado pelo fazendeiro, é dito que no contrato não há nenhuma informação sobre sangue, e que assim, na letra da lei, não poderá ter uma gota sequer de sangue derramado, se safando Chicó de ter que fazer tal pagamento. Pois é, ao ler a cena em que Antônio serve como fiador de um empréstimo cedido por Shylock, tudo fica bem familiar.
E como não se recordar também da icônica cena entre Roque e Boca em "Ó Paí, Ó", na qual o personagem de Lázaro Ramos explode contra o personagem de Wagner Moura após não suportar mais ser tratado de maneira racista. A inspiração também se encontra nessa obra de Shakespeare, numa forte fala de Shylock a respeito do preconceito sofrido por ser judeu.
Diante de tudo isso, temas sensíveis e que demonstram certo drama para alguns personagens, é incrível como Shakespeare conseguiu tornar a trama mais sutil com sua maneira de conduzir a história e com momentos e personagens pontuais, trazendo o equilíbrio perfeito para o leitor.