Mariana Abramo @metaficcaoeditorial 18/01/2024A ideia é boa, a execução é péssimaA ideia do livro é ótima: trabalhar o preconceito racial estrutural da sociedade através da história de Serginho, filho de um negro com uma mulher branca, quando vem morar na casa de Leonardo, seu primo branco, em São Paulo. Como Serginho tem pai desaparecido e mãe falecida, os pais de Leonardo começam o processo de adoção legal do menino e o trazem para morar com eles.
Entretanto, a execução do livro é bem problemática. A fala do narrador é infantilizada, esse é o primeiro ponto. Ele é um menino adolescente, não precisa daquela infantilização toda. Um segundo ponto é que em várias passagens o autor demonstra seu próprio racismo. Além disso, o menino Sérgio passa por situações limite em Salvador, como ter vivido nas ruas e ser alvo de uma chacina com outras crianças, onde só sobrevive por ter desmaiado de medo. Não se fala em terapia pra esse menino, ele consegue contar toda a história traumática logo de primeira pro primo, como se apenas contar para o primo fosse a cura se seus traumas.
E no final de tudo, o pai de Serginho, que abandonou a família para estudar e se dar bem de vida enquanto deixava esposa e filho passando fome, aparece magicamente e se dá bem logo de cara com os tutores do filho (pais de Leo), e esses logo recuam no processo de adoção assim que o pai aparece. O homem apenas pede desculpas por ter sumido pra dar atenção à sua carreira e o filho magicamente aceita. É sério isso? Se um homem aborta o filho e a esposa desse jeito, de modo que ela morra de fome e doente sem dinheiro pra remédio e o filho tenha que passar por tudo o que Serginho passou, que direito ele tem sobre aquele filho? E qual a probabilidade de o filho, que viu a mãe definhar e depois foi morar nas ruas, aceitar tudo de boa logo de primeira?
É absurda a perpetuação do racismo através de falas do autor como "demonstrar ter cabeça aberta por ser amigo de um preto" e passar pano pra macho abortador de família. Não dá.
É claramente uma ideia boa, mas um livro escrito por um homem branco privilegiado, sentado em uma cadeira de couro no ar condicionado.
O pior de tudo é saber que esse livro foi selecionado pelo PNLD.