R...... 03/11/2017
O Minotauro (1939) - Li a edição publicada pela Brasiliense em 2003
Conheci essa obra através do antológico Sítio do Picapau Amarelo versão anos 70. A percepção era de uma história de terror, assustadora para a garotada em cada aparição do monstro que, mesmo com uma figura super tosca, dava um medão por conta do suspense potencializado nas perseguições no famoso labirinto, imagens obscuras e trilha sonora cabulosa, realmente genial neste quesito. Curioso que na versão do segundo milênio, que também acompanhei, a história não teve o mesmo impacto.
Comparativamente ao livro há algumas diferenças e a principal é o foco. No seriado o Minotauro era o principal personagem no desenrolar da história, e no livro o destaque maior é a Grécia, em uma viagem de descobertas e curiosidades.
Os picapaus (designação que o Lobato dava para a turma do Sítio) embarcam no Beija-Flor das Ondas (o navio confiscado e reformado do Capitão Gancho) para resgatar Tia Nastácia, que fora raptada na festa de casamento do Príncipe Codadade com Branca de Neve, quando houve a invasão de monstros das fábulas em episódio descrito no livro anterior (O Picapau Amarelo).
Quem gosta dessa obra certamente manifesta algum interesse na visão da Grécia antiga, porque a maior parte (cerca de 90%) trata disso, em aspectos históricos e mitológicos.
A parte específica sobre o Minotauro, para quem tem a imagem construída pelo seriado, desaponta um pouco. Além de rápida, não enfatiza a questão do terror. É bem assim: Será que conto... Nããããão! Leia o livro. KKKK!
Particularmente, gostei mais da parte histórica, expressa no encontro da turma com personagens famosos, como Péricles, Fídias, Sócrates e Sófocles (respectivamente, destacados como estadista, escultor, filósofo e dramaturgo). Esse desenrolar tem o protagonismo de Dona Benta, que dá show em curiosidades para o leitor.
Há algumas questões interessantes que também vão aparecendo, como a cultura grega ter influenciado o desenvolvimento da modernidade. Essa importância Lobato destacou na visão do leitor.
Olha que sensacional! Em certo momento de diálogo com Péricles (famoso pela liderança e oratória), o estadista fala de liberdade e esta ser uma das coisas de maior valorização entre os gregos. A sagaz velhinha observa então que muito do conceito de liberdade expressa na vontade do povo resulta da capacidade de manipulação de seus líderes. O que seria sua vontade, muitas vezes é consequência daquilo a que está sugestionada, reproduzindo, no final das contas, o interesse dos líderes. KKKK! Mas rapaz! É exatamente o que vemos hoje, onde está escancarada a tal democracia em nosso Congresso como um grupo fechado de corruptos manobrando as coisas a seu favor, fingindo que encarnam a vontade do povo. Não é o que esses mafiosos estão fazendo? E o que os interesses de certos líderes manobraram para que fosse deflagrado no mesmo ano de publicação desse livro?
A velhinha (falo com carinho) embala o conceito de liberdade, também, chamando a atenção para o sistema de escravidão que existia naquele povo, desmistificando o que eles atribuíam como sociedade perfeita.
E por aí vão os encontros, com direito a momentos um tanto hilários, na admiração dos gregos pelos milagres de nossa modernidade, como uma simples caixa de fósforos, quando existia uma lenda hiper dramática de como o fogo chegou aos homens.
Há reflexões sobre a profundidade do conhecimento, sobre a valorização das artes, sobre o progresso aflorar em aspectos miraculosos e em paralelo ocorrer a degeneração de certas coisas...
Enfim, gostei e me diverti bastante com essa parte. Ah, e tem certas curiosidades desconhecidas. Por exemplo, não sabia que Péricles tinha uma anomalia na cabeça, que fazia com que fosse alongada e por isso suas reproduções (pintura e escultura) o mostravam sempre com um elmo. Pesquisa aí no Google Imagens se duvidar.
A parte da mitologia é protagonizada pelo Pedrinho, em interação aventureira. O destaque do momento vai para história sobre Hércules, mas Lobato dá só um gostinho no tema, pois isso será tratado em outra obra. Não gostei muito dessa leitura e preferia que o protagonismo fosse encabeçado pela Emília em suas mirabolantes curiosidades e posicionamentos. Seria mais legal!
Estranhei o Lobato não ter dado destaque para Visconde, que quase não gastou seu conhecimento. Ficou na sombra de Dona Benta. Melhor assim, porque a velhinha é mais sagaz e o Visconde manobrável demais. Pergunta para a Emília se não... KKKK!
Essa é a obra. Olha o que Lobato construía para as crianças!
Devaneando um pouco, fugindo do contexto do livro, ainda fico imaginando como seria extraordinária uma viagem que o autor fizesse com os picapaus pela literatura bíblica. Eita! Mas o homem tinha outra escolha de vida...
Gostei bastante dessa leitura e vou atrás da adaptação em quadrinhos.