Natalia 24/09/2021
Abaixo aos manicômios!
Vou começar dizendo que nunca vi o filme, então foi uma experiência totalmente nova com "Um Estranho no Ninho"... E, sendo sincera, no início, ironicamente, parecia louco demais para gostar. O narrador, Bromden, é um dos "crônicos", daqueles que estão internados no hospício há anos e para os quais não se vê mais alternativa de tratamento e aí quando o livro começa, somos inseridos nos delírios dele de uma maneira que pode ser um pouco incômoda. Depois de um tempo, começamos a entender sua forma de ver o mundo e isso melhora a dinâmica da leitura.
O livro engata mesmo, entretanto, com a construção do personagem McMurphy – e que construção, meus amigos! É muito interessante a forma como Kesey retrata esse cara, meio chucro, mas que revoluciona a vida na enfermaria através de táticas simples, como o riso. A luta que ele trava com a Chefona, a enfermeira que comanda o manicômio com punhos de ferro, é o clímax do livro; narrada pelos olhos de Bromden, faz com que odiemos profundamente essa mulher, que dissimula para manter sua ordem, e isso nos move durante a leitura.
Apesar de tanto, nem tudo são flores: o racismo é extremamente presente nas páginas amareladas dessa edição antiga que decidi comprar no sebo mais próximo. Os funcionários do hospício são todos negros e antagonizam os pacientes, homens brancos. As descrições deles são ricamente negativas, os termos utilizados ("crioulos", "macacos") são terríveis e chocantes pela naturalidade com que são empregados e os embates entre eles e os pacientes são carregados de discriminação na sua pior forma. Além disso, pelo fato de a vilã do livro ser uma mulher, as descrições da Chefona também são muito pesadas de machismo e sexismo; e as demais mulheres que aparecem no livro são destituídas de qualquer poder, inteligência ou da capacidade de conversar entre elas sobre algo que não sejam os homens.
Aqui, sendo assim, acredito que precisamos fazer um recorte histórico. O livro lançado em 1962, por um americano. Há pouco, a segregação racial era imposta por meios legais. A despeito de "Um Estranho no Ninho" ser um marco da contracultura, nesse caso, acredito que reforça a imposição social vigente na época.
No geral, feliz por viver hoje em uma realidade na qual a replicação dos abusos vividos dentro de um hospital psiquiátrico, sem repúdio social, seja significativamente menos provável. Em um país que viveu holocaustos brasileiros, é um alívio poder ler essa obra como algo que concordamos que deve fazer parte do passado. Ken Kesey é bem sucedido em demonstrar o horror de terapias de eletrochoque antigas utilizadas como punição, lobotomias e ferramentas de controle da mente e do bem estar dos neuroatípicos. Precisamos, sem dúvidas, nos manter na linha da luta antimanicomial para que não vivamos regressões na conquista de uma sociedade menos taxativa sobre a loucura e menos pró-isolamento para tratamento das enfermidades da mente.