spoiler visualizarmias0 25/02/2022
Em “A falência” conhecemos a história da família Teodoro, uma família importante na elite carioca. O pai, Francisco Teodoro, veio de Portugal na infância e desde cedo trabalhou para crescer financeiramente e se tornou um grande nome dentre os empresários do comércio do café. Sua esposa, Camila, viera de uma família pobre do Nordeste brasileiro e somente após casada conheceu os luxos que o dinheiro poderia proporcionar e logo se acostumou a uma vida de conforto, totalmente diferente da que estava acostumada. Os filhos, Mário, Ruth, e as gêmeas Lia e Rachel não haviam conhecido a pobreza como os pais, e desde seus nascimentos foram apresentados a uma vida de luxo, vivendo no famoso Castelo Teodoro.
Francisco Teodoro é mostrado como um homem extremamente preocupado com seu trabalho, sempre visando seus lucros. Apesar de um dos principais motivos de sua preocupação girar em torno de manter o conforto de sua família, suas preocupações com o comércio acabando por afastá-lo dos seus, e nem sequer as refeições eram feitas em conjunto. Devido também a essa ausência, Camila dá início a uma relação extraconjugal com o médico da família, o doutor Gervásio. A visão sobre essa relação é tratada na obra de uma maneira singular, visto que como citado pela própria personagem, nos romances com casos parecidos o costumeiro é que culmine na morte da mulher. Através dessa personagem, Júlia Lopes de Almeida leva o leitor a uma reflexão sobre o adultério onde a culpa não é atrelada a mulher, e sua sentença dada socialmente não leva à sua morte.
Apesar de levar o leitor a esses pensamentos, a autora não deixa de retratar como a mulher era vista perante à sociedade quando descobertas em uma relação extraconjugal. Um exemplo disso é o momento em que Mário, filho do casal Teodoro, demonstra à mãe seu conhecimento sobre o romance que ela desenvolveu com o médico nos últimos anos. Camila é vista então como uma mulher imoral, indigna até mesmo da própria família, uma pecadora à vista da sociedade. E mesmo que seu marido cometesse atos parecidos, a culpa não recairia sobre ele da mesma forma que recai sobre a mulher.
O título da obra nomeia um dos principais acontecimentos do romance. Preocupado com seu comércio após a rápida ascensão de Gama Torres, novo comerciante também de café, Francisco Teodoro é levado a um caminho onde, por meio de apostas, perde todo seu dinheiro até que por fim declara falência. Após dias perdido em pensamentos de todas as consequências de sua falência, Francisco Teodoro tira a própria vida, deixando a família no momento frágil em que se encontravam. A partir desse momento, Camila é levada a assumir papéis que antes não conhecia. Além de esposa, mãe e amante, assumira o papel de viúva e todas as implicações que com ele viera. Além de a partir de então seu papel de esposa não mais existir, seu papel de mãe é colocado à prova quando o próprio filho sugere que entregue à outra família as filhas mais novas, e seu papel de amante deixa de existir após o romance com o doutor Gervásio se findar.
Além da representação da mulher trazida por Camila, todas personagens femininas apresentadas na narrativa trazem consigo um pouco da crítica ao papel da mulher na sociedade. Como Ruth e as irmãs mais novas que são criadas dentro de um molde padronizado pela sociedade brasileira da época, onde o objetivo de todas elas deveria ser arranjar um bom casamento. Ou ainda as mulheres negras que além de desempenharem um papel de gênero, representam também a luta em um Brasil que recém abolicionista onde nem todos respeitavam ainda as novas leis impostas.
A leitura de “A falência” nos dias atuais é capaz de levar a distintas reflexões sobre a sociedade brasileira do início do século XX em comparação ao século atual, em relação aos papéis de gênero, à família, à elite burguesa, e também em relação às mudanças que ocorreram ou não desde então. Júlia Lopes de Almeida traz de forma clara e abrangente um panorama sobre cada um desses pontos.