spoiler visualizarmilafratta 26/07/2011
Sem Escrúpulos e Sem Desculpas
São esses, sem dúvida, os adjetivos que melhor descrevem a trajetória do jornalista Samuel Wainer. Pelo menos, através da leitura de suas memórias “Minha Razão de Viver”, organizadas por Augusto Nunes a partir das 53 fitas de áudio que o jornalista gravou antes de morrer e que foram cedidas por sua filha, Pinky Wainer, 25 anos após a sua morte. Mais do que o relato de uma vida, é o retrato de uma época.
Originário da Bessarábia, que mais tarde se tornaria parte da União Soviética, Samuel veio ao Brasil quando criança, acompanhado da família, e se instalou no bairro do Bom Retiro. Judeu, pobre, era um como tantos outros, que, no entanto, acabou por brilhar. Durante sua carreira, protagonizou episódios como a criação de Diretrizes, periódico visivelmente esquerdista (Wainer faz questão de esclarecer que nunca foi comunista, embora tivesse inclinações claras nessa direção) e sabidamente contrário ao Estado Novo; promoveu relatos exclusivos dos julgamentos de Nuremberg; foi repórter e diretor de destaque nos Diários Associados de Assis Chateaubriand; e criou o Última Hora, considerado o primeiro jornal popular do Brasil.
Um verdadeiro “estranho no ninho”, Samuel foi um dos primeiros (e, até hoje, um dos únicos) donos de jornal que não pertenciam à aristocracia brasileira. Ao lançar o Última Hora, diário assumidamente pró-Getúlio (o único da época, uma vez que a imprensa havia resolvido fazer um “cerco de silêncio” em relação ao presidente), gerou a desconfiança e a inveja na grande maioria dos demais, isolando-se cada vez mais nesse exclusivo e disputado grupo.
Wainer era, acima de tudo, um político. Por toda a sua vida, soube se balançar nas linhas tênues que o permitiam expressar a voz popular ao mesmo tempo em que se apoiava nos ombros de gigantes industriais da ala conservadora. Sabia muito bem como cultivar amizades interessantes, a mais célebre de todas, provavelmente, a de Getúlio Vargas. Uma amizade extremamente vantajosa para ambas as partes, diga-se de passagem. Mas mais importante que suas amizades são, talvez, suas inimizades. Samuel descobriu em seu antigo chefe, Assis Chateaubriand, e em seu velho amigo, Carlos Lacerda, dois inimigos brutais, que quase lhe custaram a carreira e a liberdade numa luta feroz na justiça que buscava destruí-lo.
Mas não se deve enganar o leitor que vê nas páginas de “Minha Razão de Viver” um herói romântico, muito menos um mártir. Samuel Wainer foi tudo, menos um coitado. Suas proezas jornalísticas à parte, ele era, novamente, um político, e como político escolheu lados e tomou medidas que muitas vezes tendiam (ou até ultrapassavam) aos limites da corrupção, como o recebimento de pagamentos em troca de reportagens favoráveis a determinadas empresas, a troca de favores e o tráfico de influências. E ele não se desculpa por nada, muito pelo contrário. Durante todo seu relato, Wainer repetidamente afirma que tudo o que fez foi em prol de seus ideais e em defesa de seu trabalho.
Um homem que, nas palavras de sua filha, “viveu com intensidade, lutou muito, experimentou o poder e soube perde-lo”. Inescrupuloso e altamente perspicaz, não media esforços para conseguir o que queria. Mais do que tudo, porém, um homem resolvido: em “Minha Razão de Viver”, Samuel conta tudo. É um relato franco e honesto das vitórias e derrotas de um homem que foi testemunha e, muitas vezes, personagem decisivo de alguns dos episódios mais importantes do século XX no Brasil. Mas, mais do que isso, é um exemplo sólido da verdadeira face da grande mídia brasileira.