desto_beßer 16/06/2017
O que fizeram com você, Agatha Christie?
O maior mistério deste livro não é quem matou quem. É como uma edição horrorosa como essa pode ser vendida. Isso nem a sagaz Miss Marple conseguiria explicar.
A história de ‘Nêmesis’, em si, é uma picuinha, a ser lida sem grandes pretensões, tomando um chazinho à tarde. Diferentemente de outras tramas christianas, há poucos personagens, o que facilita acompanhar a história. O desenrolar do crime ocorre de maneira lógica, tranquila e divertida. Há mistérios, amores impossíveis, fofocas por cima do muro, ilustres desconhecidos, dores nas articulações, conchavos entre senhorinhas, muita amabilidade geriátrica – um prato cheio para quem quer se divertir um pouco!
O problema, aqui, é que esta edição é um acinte. A capa é uma pequena maravilha, chamando a atenção do leitor e dando a impressão de que houve grande trabalho no desenvolvimento do livro. Não: a quantidade de erros de ortografia, digitação e tradução é absurda. Ora, Agatha Christie até hoje é uma autora de ‘entrada’ no mundo dos livros, formando gerações de leitores jovens e ajudando-os a adentrar na “literatura adulta”. Apresentar um livro tão mal preparado às novas gerações é um crime, quase comparável ao assassinato investigado por Jane Marple.
Enquanto a simpática velhinha detetive procura pistas, nós procuramos o trabalho dos revisores do livro – Marple, pelo menos, encontra alguma coisa. Mesmo tendo a maior boa vontade estilística, é difícil ler mais de 05 páginas sem encontrar um erro grosseiro de grafia ou de edição do texto. Quando iniciamos a leitura e encontramos um “Nunca imaginei que fosse rapaz de cair em cima ...”, sendo que obviamente a forma correta seria “...que fosse capaz...”, damos uma risadinha e deixamos passar. Mas quando tais erros bobos se repetem à exaustão, não há paciência que aguente. Os diálogos são quase todos truncados, com falta de espaçamento, hifenização, com quebras de linhas estranhas que impedem uma leitura normal. Há algumas escolhas de tradução absolutamente esdrúxulas – como dizer que ‘rook’ no jogo de xadrez é ‘roubar’ (rook é a peça ‘torre’), só para facilitar o jogo de palavras seguinte, ou traduzir ‘archdeacon’ como o horroroso “arcediago” ao invés do mais elegante e lógico “arquidiácono”, tornando o nome do Capítulo 18 (“O Arcediago Brabazon”) digno de um livro de encantamentos maléficos. Aprendemos, também, novas formas de regência verbal (“Eu vim nesta excursão para conhecer à senhora”) e de controle do bom humor, nas *inúmeras* vezes em que lemos a expressão “há muitos anos atrás” e suas variantes. No último parágrafo desta resenha, deixo anotado, assim gratuitamente, as páginas em que erros imperdoáveis são encontrados. Talvez alguém se digne a corrigi-los e, dessa forma, honre a obra de uma autora tão importante no mundo dos mistérios e no coração dos leitores.
PÁGINAS COM ERROS GROSSEIROS DE GRAFIA, DIGITAÇÃO/PONTUAÇÃO OU TRADUÇÃO: 11, 14, 16, 17, 22, 34, 38, 44, 47, 48, 56, 57, 60, 62, 63, 70, 72, 79, 89, 90, 96, 97, 110, 111, 113, 128, 129, 139, 142, 148, 150, 153, 172, 180, 182, 189, 190, 210, 229, 232, 239, 255, 257.