josemaltaca 30/03/2022
Disperso
Nêmesis, livro da escritora britânica Agatha Christie e publicado em 1972, narra a história da senhora mexeriqueira Miss Marple, a qual recebe um pedido inusitado para investigar algo nebuloso. O pedido é realizado por um conhecido de Marple, o Senhor Rafiel, o qual figura como personagem no romance “Um Mistério no Caribe”. Assim, recomendo a leitura de “Um Mistério no Caribe” antes de iniciar a leitura de “Nêmesis”, uma vez que vários detalhes do primeiro repercutem na história do segundo (o que a editora Harper Collins pareceu ignorar ao não incluir o livro do Caribe em um box anterior). Dito isso, aqui temos um whodunit bastante disperso: ora a história vai a uma direção, ora a outra, o que sem sombra de dúvida torna a experiência confusa. Desorientação esta que se traduz num entra e sai de personagens, em uma morte inverossímil e em uma trama passada chocha e sem inspiração.
Contribui para a falta de êxito da história a falta de motivação que dá o pontapé inicial ao enredo. A introdução de dois personagens patetas, cuja relevância desaparece tão logo eles aparecem, faz com que a força do argumento dos eventos transcorridos no livro passado e a excentricidade de Senhor Rafiel não sejam bem representadas. Tão logo Marple se vê em uma cruzada aleatória e mais perdida que amendoim em boca de banguela, os eventos transcorrem por ela, sem que tenha que levantar um palito para investigar e pôr a termo o que dela é pedido. Assim, quando a história se estabiliza e o whodunit é criado, já é tarde demais: o desinteresse já bateu. Some-se a isso a repetição da trama rasa que se descortina no passado e temos um festival de personagens com motivações estapafúrdias e uma série de acontecimentos que transcorrem circularmente sem muito acrescentar.
Aqui retomo o ponto inicial do livro como continuação. Para que o título “Nêmesis” tenha alguma força no final da trama, é necessário prévio conhecimento do livro anterior, o que Christie tenta martelar sem sucesso em um segmento apressado após a revelação final. Porém, mesmo no livro do Caribe, a alcunha que Miss Marple se dá é um detalhe final, nada que justifique uma trama inteira que não faz jus ao próprio apelido, não importa quanto Christie nos queira levar a acreditar que isso é merecido. Assim, Nêmesis é um dos livros mais dispensáveis da carreira da escritora britânica, a qual já escreveu livros mais divertidos (“Os Crimes ABC”), interessantes (“Um Mistério no Caribe”) e com maior carga de suspense (“Morte no Nilo”). Recomendo a leitura somente para os fãs da Rainha do Crime, e somente após ter percorrido longo trecho em sua profícua bibliografia.