Vanessa Bittencourt 13/10/2015A historiografia não dispõe de informações muito precisas sobre Dandara, mas acreditamos que atuava como uma importante liderança em Palmares. Diante das dúvidas sobre a existência da guerreira, a jornalista Jarid Arraes, colunista da Revista Fórum, decidiu: “se Dandara é uma lenda, alguém precisa escrever suas lendas”. O resultado foi um livro com dez contos sobre Dandara, ricamente ilustrado por Aline Valek.
Em As lendas de Dandara, a guerreira é gerada por Iansã (importante orixá feminino, uma deusa ligada aos ventos e às batalhas) para libertar os escravos. Achei muito interessante a opção por uma missão de salvadora, pois sabemos bem que geralmente esse tipo de função é atribuída a um papel masculino. A bebê Dandara é colocada no caminho de uma escrava em fuga que seguia para Palmares, de modo que a relação entre mãe e filha que se estabelece entre elas se torna um dos pontos altos do livro, garantindo alguns dos momentos mais emocionantes ao longo da leitura. Dandara cresce muito mais interessada em lutas do que nas tradicionais tarefas femininas associadas à produção de alimentos e cura, mas não demora a reconhecer a importância dessas atividades para a manutenção do quilombo.
Os contos sobre a infância da guerreira, uma criança curiosa e corajosa, nos preparam para o momento em que ela se consolida como uma das líderes de Palmares, responsável pelo treinamento de jovens guerreiros e ansiosa por uma estratégia de luta aparentemente muito mais ofensiva e audaciosa do que a desejada por Zumbi. Fico tentada a focar só em Dandara, mas preciso registrar que Jarid Arraes construiu um Zumbi que pode incomodar (e fico feliz por isso). É um Zumbi apaixonado e exposto pelo receio de assumir Dandara como sua companheira. É um Zumbi muito mais vulnerável, enquanto Dandara é uma explosão.
Como uma boa lenda, Dandara é capaz de façanhas impressionantes, como atacar um navio negreiro sozinha. Ela jamais esquece o seu foco de libertar os escravos, mas isso não quer dizer que seja perfeita ou incapaz de falhar. Na reta final do livro, Dandara encontra desafios realmente difíceis, além de sentimentos de culpa e da dor pela perda da mãe. Posso garantir que o trabalho de Jarid Arraes é belíssimo: as lendas fazem de Dandara uma heroína com uma trajetória emocionante e empolgante. As ilustrações de Aline Valek, por sua vez, nos ajudam a imaginar Dandara como uma mulher forte e vibrante. Essa é Dandara: mulher, negra, guerreira, protagonista inesquecível.
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