Coruja 02/12/2014Não sei se perceberam, mas decidi colocar logo de uma vez para resenhar esse ano no meu Projeto Shakespeare todas as peças que eu já tinha lido e detestado algum personagem – já que estou no embalo para falar de quem não gosto, então falemos de todos de uma vez só. Pra 2015 deixei a maioria dos títulos que ainda não li e assim vamos caminhando até 2016, quando, pelos meus cálculos, terei encerrado o projeto – no aniversário de 400 anos da morte do autor também.
Conto de Inverno não é exatamente uma das peças com que mais tenho problema porque de uma forma geral, acho-a meio morna. Mesmo as personagens femininas – que normalmente são destaque na obra do bardo – parecem-me um tanto apagadas.
Tudo começa com o rei Leontes da Sicília, que consegue se convencer com evidências que simplesmente tira do ar de que a esposa, a rainha Hermione – que está inclusive grávida – tem um caso com o melhor amigo dele mesmo, o rei Polixenes da Boêmia.
Enlouquecido pelo ciúme, Leontes destrói toda a sua família. Primeiro ele tenta envenenar Polixenes, que consegue fugir de volta para sua terra natal. Depois ele manda Hermione para os calabouços, onde a mulher dá à luz uma menina, Perdita. Paulina, amiga de Hermione e única pessoa que se mantém leal à rainha, opondo-se à tirania de Leontes, tenta convencê-lo da inocência da esposa, mas só o que consegue é atiçar ainda mais a fúria insana do homem, que decide mandar um de seus homens largar a filha – que ele acredita ser bastarda – no deserto.
Enquanto isso, Leontes decide armar um julgamento para acusar publicamente Hermione de adultério, a despeito do próprio Oráculo de Apolo – que normalmente nunca responde coisa com coisa – tê-la inocentado. No meio do julgamento, chega a notícia de que o filho mais velho do casal, Mammilius, entristecido com o tratamento dado pelo pai à mãe, acaba de morrer. Hermione cai aparentemente morta no chão e Leontes se dá conta da grande burrada que fez, mas a essa altura já é tarde demais: ele conseguiu arruinar sua família da forma mais completa possível.
Por sorte, o homem que ele mandou desaparecer com a filha foi comido por um urso no meio do caminho (???) e Perdita é encontrada na Boêmia por um pastor, que decide criá-la como sua filha.
Dezesseis anos se passam e Perdita transformou-se numa bela jovem, estando de namoro com um rapaz de nome Florizel, que é filho de ninguém menos que o rei Polixenes (sem comentários sobre os nomes dos príncipes e princesas dessa história...).
Só que Polixenes não fica muito satisfeito com o filho querendo se casar com uma pastora plebéia e o ameaça dizendo que se o rapaz insistir nessa loucura, vai mandar desfigurar a face de Perdita.
Só tem gente simpática nessa peça...
Em todo caso, Perdita e Florizel decidem fugir juntos e vão para a Sicília, onde Leontes continua se culpando pela morte de toda a sua família... e logo Perdita será reconhecida, mortos se levantarão de suas tumbas e todo mundo termina feliz.
Olá?
Conto de Inverno é uma das peças do último ciclo de trabalhos de Shakespeare. É uma peça diferente, em que ele experimentou com recursos que normalmente não eram vistos no teatro elisabetano – como a passagem do tempo, por exemplo, representada pelo próprio Tempo aparecendo no palco para um solilóquio.
Há gente que fale que a inspiração por trás da história está na condenação de Ana Bolena, acusada falsamente por Henrique VIII de adultério – e partindo dessa premissa, é certamente diferente a forma de interpretarmos o que ocorre ao longo da história, incluindo aí a figura de Perdita, que estaria representando ninguém mais que Elisabeth.
Há qualquer coisa de Otelo em Conto de Inverno, embora com um final (supostamente) mais feliz. Confesso que prefiro a história do mouro de Veneza, porque lá existe ao menos um motivo para que Otelo comece a desconfiar de Desdêmona – é o veneno de Iago fazendo efeito. Aqui, Leontes chega à conclusão de que Hermione o trai por... bem, porque sim. Há um sopro de esperança com a conclusão da história, mas nunca achei que ele merecesse o que conseguiu recuperar.
Por esse e muitos outros motivos, essa é considerada uma das peças problema de Shakespeare: ela não é exatamente uma comédia, nem exatamente uma tragédia, é meio que um romance, mas não exatamente e não apenas isso. É algo único e diferente, como apenas o Bardo poderia produzir.
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http://owlsroof.blogspot.com.br/2014/12/projeto-shakespeare-conto-de-inverno.html