rxvenants 18/08/2021Esperando por mais nas continuaçõesAVISO DE GATILHO: Se você é sensível a temas como pedofilia, abuso sexual, violência doméstica, tentativa de aborto e mortes (por envenenamento e outros), não leia esse livro ou leia-o com cuidado.
Perdão Mortal é o primeiro da trilogia O Clã das Freiras Assassinas e conta a história de Ismae, cujo objetivo é servir aos propósitos de Mortain, o Deus da Morte, enquanto lida com problemas políticos e a segurança da duquesa da Bretanha de 1485.
Eu vou confessar que fui instantaneamente atraída pelo livro após ler "Freira Assassinas" e posso dizer que nesse ponto o livro não me decepcionou.
É uma fantasia baseada nas filhas da Morte e o livro de Robin LaFevers contém uma discussão bem interessante sobre a morte como objeto de vingança ou misericórdia e como lidamos com ela.
Esse assunto é algo que me fascina e eu acho que Robin soube muito bem mostrar essas diferentes facetas. De um lado temos pessoas que são devotas à arte de matar e de outro temos aqueles que nunca tiveram esse contato.
Como alguém que lidou muito com lutos e já rezou muitas vezes pela misericórdia da morte, mas ficou com raiva quando ela chegou, eu muitas vezes me senti na pele de Ismae. São sentimentos conflitantes muito bem colocados pela autora.
Essa questão religiosa com um santo tão incomum quanto a Morte é um dos pontos altos do livro, bem como o aspecto político que ele também carrega.
LaFevers soube muito bem como escrever essas intrigas de dominação territorial sem que o livro ficasse confuso. A escrita pra mim, nesse ponto, foi perfeita. Eu fiquei até meio surpresa como ela conseguiu deixar tudo tão fluido.
Quando eu vi a lista de nomes no começo, achei que ia ser mais uma daquelas leituras que introduzem 200 personagens e te fazem ficar voltando pra conferir quem é quem.
Felizmente, o livro não é assim e mesmo com um plot saído dos livros de história, não é nada maçante.
Esse é inclusive um daqueles que mantém a personagem principal verdadeira a quem ela é em questão de construção de personagem. Fiquei EXTREMAMENTE feliz ao ler o desenvolvimento da Ismae e como ela realmente parece ter sido treinada para a Morte.
Ela é letal e diversas vezes mostra que sabe lidar com armas. Ela não me decepcionou errando pontarias ou hesitando sem motivo. Eu também fiquei feliz ao final quando ela seguiu seu dever e não ficou tão presa ao romance. Ela deveria proteger a duquesa e mesmo quando Duval estava a beira da morte, ela fez isso.
Eu gosto muito quando as personagens seguem seu caminho e suas convicções e não largam o trabalho de uma vida por interesses românticos (principalmente quando esse caminho é tão crucial quanto salvar a futura regente de um país).
Perdão Mortal é bem rápido de ser lido e os mistérios políticos te prendem demais, principalmente se você gosta de histórias traições em reinos (os culpados são bem óbvios aqui na história, mas não foi algo que me incomodou). É um fantasia gostosa de ser lida ? em certas partes:
Infelizmente, ao mesmo passo que é um livro rápido, é também, de certa forma, difícil de ser digerido.
Por se tratar do séc. XV, diversos temas bem pesados acabam sendo considerados "normais" e a leitura é bem desconfortável em algumas partes. A escrita te faz engolir a história, mas te consome nas horas que você vai ter que pensar melhor sobre o que leu.
A história é aberta com a Ismae casando com 14 anos e quase sendo abusada. Quando ela vai para o convento, fica claro que outras meninas passaram pela mesma coisa, sem falar que a história inteira é ao redor do casamento da duquesa, uma menina de 12 anos (que também é quase abusada por um cara quase seis vezes mais velho que ela) e há passagens sobre a amante do pai dela ter ido pra cama do rei da França com 14 anos.
Esses assuntos são tratados com certa naturalidade por conta da época e dos fatos históricos retratados, mas ainda assim é estranho, ainda mais com nossa perspectiva do séc. XXI. E embora eu entenda que é algo que não dá pra fingir que não acontecia na época, a autora ter usado essa epidemia de sofrimento de meninas como um artifício para o enredo foi meio de mal gosto, na minha opinião.
E aí chegamos em alguns pontos mais negativos da história.
Pode ou não ser para outros leitores e cada um tira a conclusão que quer, mas eu fiquei com um gosto amargo na boca em relação ao sofrimento dessas filhas da morte serem tratados como provação para quão boas elas são.
Ismae sofreu violência nas mãos do pai e do marido pedófilo e a Abadessa disse algo como "as melhores lâminas são aquelas que passaram por muita coisa" ou algo assim.
Eu não gostei de ver esse sofrimento feminino como um provedor de força, como se elas precisassem passar por isso por nascerem do deus da Morte, algo que elas nunca pediram.
Lendo um pouco sobre a autora no final, vi que ela frequentou uma história católica e eu consigo ver muito das questões e dúvidas sobre a fé sozinha e a fé induzida por instituições. Eu vejo que ela fez a personagem pensar um pouco sobre o convento e como aquilo influenciava ela, mas acho que poderia ter sido um pouco melhor explorado na trama.
Ismae questionou mais sobre as coisas que ela seguia e a Abadessa do que sobre o convento em si e eu senti um pouco de falta de mais força nessa crítica.
Eu espero muito que o segundo e o terceiro livro principalmente (já que a noviça Annith parece ser a que tem mais raiva do convento) falem mais dessa questão das mulheres.
Outro ponto que tem mais a ver com a construção do mundo e dos personagens do que sobre críticas da autora, é sobre o desenvolvimento de Duval e o relacionamento com Ismae.
Embora a Ismae tenha sido impecável ao meu ver, eu não acho que fui convencida pelo romance com Duval.
O livro nem de longe se escora nesse interesse amoroso, já que não é o ponto principal, mas eu sinto que precisava de mais construção do personagem do Duval pra crer que alguém como a Ismae gostaria dele.
Eu achei que esse amor foi meio sem pé nem cabeça. O Duval meio que me pareceu um personagem neutro, não demostrou muita coisa pra chegar ao ponto de amar a Ismae.
É algo estranho de dizer, mas ao mesmo tempo que não pareceu que foi do nada essa paixão, parece que foi. Não teve um desenvolvimento tão legal quanto eu gostaria.
Duval estava presente o livro inteiro e movia muito das relações políticas, mas mesmo assim, parecia super sem sal. Não me pareceu que ele tinha carisma nenhum.
Esse problema de desenvolvimento também se estende aos amigos dele, Fera e de Lornay. A autora tentou fazer uma cena bonita no final com a Ismae e eles, mas como faltou essa aproximação no decorrer da história, ficou meio estranho pra mim.
E por fim, outra coisa mais relacionada a história que sinceramente me incomodou bastante, foi a resposta para o envenenamento do Duval.
Sério, eu fiquei sem acreditar que o antídoto foi um chá de b*ceta. KKKKKKKKKKKKKKKK
Eu posso acreditar em várias coisas, mas essa foi bem bizarra.
Ismae viu o pai, A PRÓPRIA MORTE, e a solução misericordiosa que ele deu foi ela sugar o veneno do Duval pelo sexo? Eu não entendi foi nada.
Eu sei lá se era preciso essa ligação entre o Duval e a Ismae, mas com certeza existem outras formas de criar vínculo além de sexo numa passagem secreta com um cara morrendo envenenado.
Eu inclusive fiquei imaginando a withcindy (do YouTube) fazendo rezenha e perguntando se pro veneno sair tinha que ser pelo sêmen dele dentro dela ou algo assim pra ela poder absorver, POIS COM CERTEZA ELA LEVANTARIA ESSA DÚVIDA.
Por qual motivo ela só não sugou tipo veneno de cobra, eu nunca saberei. Um b*quete funcionaria também? Mistérios eternos.
Eu poderia fazer inúmeras questões sobre essa cena e esse final. Ele só existiu pois os personagens precisavam transar e faltava 10 páginas pra acabar e Robin precisava correr e colocar isso logo. Foi bizarro, foi estranho e eu não vou perdoar.
Enfim, o livro em si não é perfeito, ele tem seus problemas de trama e desenvolvimento, mas eu não acho que foi extremamente ruim. Como eu disse, ele traz questionamentos interessantes sobre a morte e é uma fantasia legal de ser lida.
Vou ler os outros com certeza pra ver se a autora vai desenvolver as críticas ao convento e espero ver mais das filhas da morte além de antídotos a base da música "2000 s2" de Luísa Sonza (vá ouvir no Spotify!).