HigorM 01/10/2016
Sobre nossas ações refletidas na vida alheia
Modiano tinha um livro pronto quando foi feito o anúncio do Nobel de 2014, o que veio em boa hora – para a editora e a poupança recém-cheia do autor. Logo todos queriam, além do magnum opus, Dora Bruder, ler o mais recente livro dele.
Trata-se então de ‘Para você não se perder no bairro’, que, sinceramente, não tem nada de novo para quem já leu ao menos um livro do autor, mas que pode, sim, ser uma boa pedida para quem quer se aventurar pela primeira vez.
O plot é o mesmo de todos os outros: um homem, no caso, o escritor Jean Daragane, se vê voltando ao passado, a lugares que não visitava na própria mente, mas que marcaram sua vida de maneira indescritível. O que causa esse transtorno, no entanto, é o que causa estranhamento de início, já que poderia vir a não dar tão certo assim: uma caderneta de endereços. Em tempos dos mais diversos aplicativos, é raro de se anotar endereços ou telefones em agendas, e me preocupou durante todo o livro. Em vão.
A história vai mais além, e quando somos lançados nos costumeiros passeios (de todos os livros) do personagem em busca de si mesmo, temos uma espécie de válvula de escape ao ver que o assunto batido é tratado com frescor: a importância de nossas ações. O que fazemos é refletida na vida de quem a gente nem imagina, indiretamente. Talvez a gente queira beneficiar alguém que amamos, mas, sem perceber, estamos impedindo que alguém desconhecido se beneficie, quando era ele a ser o felizardo, originalmente.
São coisas pequenas, meros detalhes, como empregar alguém conhecido, mesmo que um entrevistado seja melhor, e precise mais. A ‘indicação’ certamente vai trazer caos para a vida desta pessoa desconhecida, como mais dificuldades em encontrar outro emprego. Enfim, exemplo um tanto tosco, mas é interessante pensar que somos fantoches quando se trata de conduzir nossa vida, mas, mesmo inconscientemente, somos a mão por trás da cortina quando se trata de condução da vida alheia.
Por fim, as últimas páginas são angustiantes e assustadoras, sentimentos que ganham pontos – ou perdem, dependendo do leitor, mas que marcam e fazem com que se leia com a mão na boca.
Uma nota: quem leu ‘Remissão da pena’ com seu angustiante final, vai entender que, talvez o escritor Jean Daragane, seja, na verdade, o escritor Jean Patrick Modiano, e que ‘Para você não se perder no bairro’ seja apenas mais um livro do autor em que o leitor se perde entre o que pode ser ficção e biográfico. Não importa, o final é desolador.
Este livro faz parte do projeto 'Lendo Nobel'. Mais em:
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