Tay_reads 04/12/2018A simbiose entre realismo e romantismoLivros realistas, em geral, não são meus favoritos: até hoje não consigo entender o burburinho em torno de Gustave Flaubert (Madame Bovary) e Anna Kariênina (Tolstói), até agora, me contentou apenas com o filme (2012). Não obstante, comprazo-me em apreciar a ironia e a crítica social (nunca velada) frequentemente inerentes a este movimento literário. Por isso, quando comecei a ler A ÉPOCA DA INOCÊNCIA e notei o caráter realista do texto, resolvi persistir na leitura mesmo assim. Ao fim, percebi que Edith Wharton é realmente uma voz única na literatura, que conseguiu a simbiose perfeita entre romantismo e realismo.
Nesta obra, publicada em 1920, cujo enredo é ambientado no glamoroso mundo aristocrático da Nova York de 1870, conhecemos o triângulo amoroso entre May Welland, Newland Archer e a condessa Ellen Olenska. A obra conferiu à Edith Wharton o prêmio Pulitzer de 1921. Ademais, ganhou uma adaptação para o cinema em 1993, dirigida por Martin Scorsese, que, dentre diversas indicações, rendeu o Oscar de melhor figurino.
A história gira em torno de New Archer, um jovem advogado de Nova York, pertencente a uma família tradicional e noivo da jovem May Welland, a qual, segundo a estreita visão do rapaz, é tão inocente quanto bem educada conforme estabelece o bom tom e as tradições familiares e sociais. O casal, envolto em uma névoa de felicidade que antecede seu casamento iminente, pouco conhece de fato um ao outro. Não sem motivo, logo as expectativas que cada um carrega em relação ao casamento serão questionadas com a escandalosa chegada da prima de May, a condessa Ellen Olenska, que fugiu do marido e das libertinagens a que era submetida por ele vivendo na Europa. No entanto, quanto uma mulher que pretende se divorciar do rico marido a fim de viver uma vida mais digna em pleno século XIX pode esperar, em termos de aceitação e respeito, de uma sociedade conservadora alicerçada sob a sagrada instituição familiar, cuja aparência de receptividade ao estrangeiro é tão questionável quanto suas regras de etiqueta?
Desta forma, a autora se propõe a compartilhar o desencanto da geração perdida (1920) com uma visão mais complexa da condição humana, trabalhando o equilíbrio entre renúncia e satisfação na busca pela felicidade do indivíduo em convívio com a comunidade na qual está inserido e da qual depende. É um livro sobre o conflito entre as imposições das velhas tradições e as exigências da falsa liberdade individual, que evidencia o fracasso de uma visão puramente romântica.
Wharton torna-se uma autora singular desse período, porque entende as necessárias mudanças do mundo pós-guerra e a melindrosa busca pela liberdade da nova geração. De forma madura, experiente, sabe reconhecer as virtudes do mundo pré-guerra, olhando para o seu passado para além de toda a frivolidade e hipocrisia social também presentes. Com sabedoria, entende que a liberdade plena e individual concebida pelos jovens da nova geração é utopia enquanto ser social. Com admiração, aponta a capacidade dessa sociedade de apreciar a beleza no singelo seio familiar ao mesmo tempo que critica a exigência da adoção de uma conduta rígida pelas moças e a imposição de perspectivas limitadas aos rapazes, que tinha o poder de acarretar desastrosos danos ao ambicioso espírito dos jovens, homens ou mulheres.
Edith não acreditava que qualquer indivíduo livre do suposto fardo das imposições sociais pudesse se sentir realizado e plenamente feliz, pelo contrário acreditava que a relação entre o eu e a sociedade era intrínseca e inescapável. Segundo a introdução da especialista Cynthia Griffin Wolff, na introdução do livro, A ÉPOCA DA INOCÊNCIA é um estudo das complexas e íntimas relações entre coesão social e crescimento individual.
Por fim, em relação a construção dos personagens, é importante compararmos os principais traços que compõe o caráter dos protagonistas. Enquanto May e Ellen representam personagens realistas, cuja superficial inocência obedece os parâmetros de seus respectivos papeis na sociedade, visto que ambas entendem a necessidade de se viver com base em princípios mais importante, como a lealdade e a honra. A lição de que todos, em qualquer lugar, precisam da segurança que só uma sociedade estruturada pode proporcionar, através da base familiar, é a lição que deverá ser aprendida pelo inocente Archer. Logo percebemos que a paixão de Archer por Ellen representa seu anseio pela libertação das convenções e expectativas de um futudo já definido e limitado; na sua visão, Madame Olenska é o mistério do mundo da arte e do progresso intelectual, que alimenta sua sede de conhecimento pelo novo. No entanto, o leitor atento é capaz de perceber que Newland também é fruto de uma visão social limitada que o faz constantemente emitir julgamentos equivocados. Suas boas maneiras em confronto com seus ideais românticos e egoístas de liberdade, porão em cheque sua honra e a forma como vê e como se posiciona no seu círculo social. No final das contas, suas decisões sempre prevalecerão em direção a segurança e a estabilidade familiar de um mundo já conhecido e garantido, apesar de decadente.