Julhaodobem 29/05/2023
Um adolescente iludido
A literatura brasileira é uma fonte de conhecimento que moldou a minha leitura ao longo dos anos, se não fosse por grandes professores de português que eu tive no ensino fundamental e no ensino médio, provavelmente eu não estaria aqui escrevendo esta resenha. Não tem como falar de clássicos sem citar a educação brasileira, não poderia começar aqui dizendo sobre a minha experiencia na educação publica sem citar a importância dela no meu gosto por literatura clássica do meu próprio pais. Assim, mesmo com um sistema de educação sucateado e feito para a massa virar mão de obra em semi escravidão nas fabricas e cargos que ganham pouco, enquanto uma pequena elite consome os meios de produção, eu tive a sorte de ter um professor e uma professora que davam tudo de si para fazer os alunos desejarem ler um livro.
Basta dizer aqui, ler um livro no Brasil é uma forma de luta e consciência de classe, pois ao fazer isso a elite treme ao perceber que os pobres podem um dia se levantar e lutar por seus direitos, por isso temos um mercado editorial elitista e com preços caros. Os clássicos são os livros mais atacados nas escolas, dizem que são chatos, complicados de ler e rebaixam a sua importância, colocando estes autores como uma escoria. Mas no fim isso não passa de um sistema educacional que é feito para controlar a manipular os adolescentes, algo que remete a própria sociedade , como ao dizer que Machado de Assis não faz sentido. Se colocássemos este autor como deve devidamente dentro do nosso território, veríamos que ele é um dos maiores escritores brasileiros e é venerado no mundo inteiro, mas seus povo o detesta, isto é algo lastimável. Mesmo assim, eu tive pessoas que me fizeram gostar destes clássicos, ver seu real significado e pelo menos dar uma chance para ler estas obras.
Desta forma, graças a isso hoje eu pego sem medo algum clássico para ler e me aventuro pelas suas paginas até conhecer o significado desta história, seus fatos e temas que remetem a uma época importante tanto social e cultural da construção do que é ser brasileiro em uma terra com uma mistura de povos. Após anos de leitura, em uma tarde de sábado, dentro de um pequeno sebo do interior de são paulo, entre beijos e mãos bobas nas pratilheiras de livros velhos eu fui presenteado com um pequeno exemplar de A Moreninha feito nos anos de 1980. é um exemplar belo, feito com capa dura e acredito que seja algo parecido com couro, suas bordas já gastas pelas paginas mostram que um dia era dourado, simulando algo valioso. Mesmo que as paginas estejam velhas e desgastadas, o livro ficou muito conservado e parece até novo, com certeza é um exemplar que vou guardar com muito carinho por toda a minha vida.
Publicado em 1844 por Joaquim Manuel de Macedo aos seus 23 anos de idade, A Moreninha é uma pequena historia de amor entre jovens estudantes e belas moças em crescimento, em uma época de império português e uma colonia brasileira em crescimento, um romance que conta uma historia de amor, quase erótica sobre a descoberta de sentimentos do passado. Este livro não é apenas um romance, é um marco na literatura do brasil, pois é o primeiro romance brasileiro publicado no romantismo, dando um marco na historia da literatura brasileira contando com características totalmente nacionais e com uma ficção que conta com uma cultura que estava sendo descoberta e se colocando como nacional. Até hoje A Moreninha é considerado um marco importante para a nossa literatura, este pequeno livro.
Para mim é algo fantástico um jovem de 23 anos ter esse marco, claro estamos falando de uma época onde aos 16 um garoto já era considerado homem pois a sua expectativa de vida era mais ou menos até os 30. Assim Joaquim com seus 23 anos, após ter se formado em medicina mas nunca ter exercido a profissão, acabou entrando no ramo do Direito e consequente ter escrito um livro. A maioria dos autores dessa época possuíam alguma ligação com o direito, isto porque era só que tinha junto com a medicina para se crescer na sociedade, o marco final era a politica. Assim, sempre acho esta característica interessante pois parece uma válvula de escape entre as leis e uma vida determinada apenas para o jurídico, além de uma forma de distrair, o romance acaba sendo uma forma de mostrar que estes homens eram mais do que escritores de leis e debatedores de tribunais.
Por tanto, no inicio da leitura foi algo difícil para mim, provavelmente foi porque já fazia algum tempo que não lia algum clássico nacional, então estava um pouco desacostumado com certos comportamento. Este livro foi escrito durante a escravidão, então é de certo que ao longo do livro temos comportamentos racistas com homens e mulheres negras, não podemos negar isso e romantizar como tambem nem excluir o livro, pois além de um romance ele é mais uma prova de que a segregação existiu e que o racismo é uma construção social do nosso pais, combatê-lo é algo que deve fazer e usar a literatura como referência de que este comportamento esta enraizado na nossa sociedade é uma boa alternativa para conscientizar a pessoas.
Feito as criticas, a historia de amor contada ao longo do livro é promovida a ideias de afeto ao longo da obra, uma historia que ao se aprofundar a cada capitulo vemos que é um jovem escrevendo sobre o amor na sua perspectiva, relembrando que o autor ao lançar esta obra tinha 23 anos, então juntando com uma concepção romântica de como era o mundo na visão em torno lusitana, vemos que é uma narrativa que tem sua quebra de expetativa e momentos que são até lindos de serem lidos, mas não passa de um homem jovem que vê em todas as coisas relacionadas com uma mulher algo belo e dócil, um objeto que deve ser conquistada e cotejado a todo momento. Talvez dessa forma ao longo do livro comecei a entender o protagonista, pois de alguma forma mesmo com a linguagem de dois seculos atrás, por termos quase a mesma idade eu consegui entender como ele queria contar essa historia. Quando somos jovens temos uma concepção diferente do que é a vida e o amor, diferente de um homem de 30 ou 40 anos que já passou por outras experiencias (estou generalizando para parecer mais fácil de comentar mas sei que existem homens mais velhos que nunca entenderam o amor e relacionamento), estamos começando as nossas aventuras no relacionamento e errando no caminho para nos tornamos uma pessoa melhor, assim temos fases que passam a cada dia, seja a erótica até romântica e a parceria.
De certa forma a narrativa passa entre essas fases enquanto conta uma historia de um romance adolescente no século da colonia brasileira, é incrível imaginar pois vemos esse pequeno livro antigo e imaginamos que é um livro complexo por conta das palavras mas ao ler e entender do que se trata se torna um romance adolescente, algo quase juvenil pois estamos falando de um amor entre duas pessoas que mal viveram suas vidas ainda mas estão ligados de uma forma que não sabem explicar. Entender isso em A Moreninha acaba tornando este livro interessante de ser lido, deixa de lado a visão de que é um clássico e o torna algo que todos os livros são de alguma forma na literatura, entretenimento e aqui esta obra tem de sobra.
A Moreninha de Joaquim Manuel de Macedo é um livro que me desafiou no inicio da leitura mas depois me fez entender novamente os significados dos clássicos, isto enquanto acendia a minha paixão por essas obras. Não é apenas a história de amor, é uma construção de uma época onde temos valores sociais e culturais que de um lado ruim ainda existem até hoje na nossa sociedade mas que também tem a sua importância pois é a historia de como foi construída a nacionalidade, sobre o que é ser brasileiro, sejam nas características boas ou ruins, junto com uma linguagem bela que após ser compreendida, é uma delicia ler cada pagina.
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