Raphael 20/07/2024O problema com os "miseráveis", a meu ver, é o mesmo de "Moby Dick". O leitor mira com entusiasmo um clássico da literatura universal e, aqui, encontra um imenso tratado de história/política da França do século XVIII. No caso de "Moby Dick", o tratado era sobre embarcações e baleias. A comparação, no entanto, encerra-se por aí. Considero "Moby Dick" imensamente superior ao romance aqui comentado.
O livro começou bem, narrando a vida monótona de um padre que já não me recordo sequer o nome. Foi de lá, dos primeiros capítulos do primeiro livro, que fiz alguns poucos grifos. Deixo como exemplo uma bonita citação encontrada no meio dos documentos do padre:
"Ó vois que sois
O Eclesiastes vos chama de onipotência; os Macabeus, de criador; a Epístola aos Efésios, de Liberdade; Baruc, de imensidade; os Salmos, de Sabedoria e Verdade; João, de Luz; os Reis vos chamam de Senhor; o Êxodo, de Providência; o Levítico, de Santidade; Esdras, de Justiça. a criação vos chamas de Deus; o homem, de Pai; mas Salomão diz que sois Misericórdia, e este é o mais belo de todos os vossos nomes."
No mais, e ainda, nos primeiros capítulos em que paira essa atmosfera religiosa, há uma discussão entre o padre e um materialista qualquer, em que se lê coisas tais como:
"(...) sacrificar a terra ao paraíso é deixar a presa por uma sombra. Ser logrado pelo infinito! Nunca eu seria tão burro. Eu sou nada (...) Por acaso eu já existia antes de nascer? Não. Continuarei a existir depois da morte? Não. Que coisa sou, então? Um pouco de pó incorporado num organismo qualquer. Qual a minha missão nesta terra? É minha escolha: ou sofrer ou gozar. Para onde me conduzirá o sofrimento? Ao nada; e, no entanto, sofri. Aonde me levará o prazer? ao nada; e, no entanto, gozei. Minha escolha está feita. É preciso comer ou ser comido. Prefiro comer. É melhor ser dente que erva. Essa é a minha sabedoria(...)"!
E o resto? o enredo, os personagens, o desenvolvimento? O resto você deixa pra lá. Vá ler outra coisa. Há mais ou menos 14 anos tenho uma relação de amor, deleite e entretenimento com a literatura (não sou do ramo, não sou professor, leio apenas por prazer). Esse livro, no entanto, me fez questionar se gosto realmente de literatura.