Sarah 10/07/2019
A senhora romântica
José de Alencar, nascido em 1829, foi um dos principais representantes do Romantismo no Brasil. Brasileiro de nascença, foi filho de um político importante e recebeu boa educação; mais velho, atuou, além de romancista, como jornalista, advogado e político. Em 1856, publica seu primeiro romance “Cinco minutos”. A partir de então, nunca abandona a literatura, tornando-se um escritor de sucesso.
Para se analisar as obras de Alencar, é necessário compreender o período histórico em que viveu. O romantismo surge com a ideia de construir, simbolicamente, uma nação. Alencar, em seus romances, tenta interpretar a sociedade brasileira da época e redigir dogmas da brasilidade; ele não faz isso, portanto, de forma inocente.
Na tentativa de construir um orgulho nacional, Alencar traz temas indianistas, regionais e sociais. Em seu enredo, porém, defende também os interesses aristocráticos. Na fase indianista, verifica-se o sacrifício do índio pelo português; ao trazer mulheres como protagonistas, ainda assim elas são idealizadas e perfeitas.
À parte das possíveis críticas feitas à Alencar acerca disso, ele era um escritor exímio e sabia como manipular a palavra. Seus romances têm traços poéticos que encantam e ele trata do Brasil com uma delicadeza particular; abandonando-se os preconceitos contemporâneos, é necessário compreender a importância que seus livros tiveram à época.
Senhora é um de seus romances urbanos – que caracterizam a vida na corte durante o segundo reinado – mais famosos. Traz como protagonista Aurélia, uma menina que, apesar de sua vultuosa riqueza, vê-se sozinha no mundo e descrente da vida em sociedade.
O livro divide-se em quatro partes. Antes de iniciar o enredo, porém, há uma nota de Alencar, “ao leitor”. Nesta nota, ele diz que a história a ser contada é verdadeira, não criada por ele, mas que ele apenas teve o prazer de transformar em livro.
Na primeira parte, intitulada “Preço”, conhecemos um pouco da vida de Aurélia. Órfã e herdeira de uma fortuna, é uma mulher muito bela, admirada por toda a sociedade fluminense. Vive com a tia, D. Firmina, que passa o dia a satisfazer os caprichos da garota. Aurélia sempre sai para os bailes a noite, onde é cercada de admiradores, por pensar que estes só se interessam por seu dinheiro.
Certo dia, porém, manda chamar seu tutor e tio, Lemos, que também é responsável por suas finanças. Ela confessa que já escolheu seu futuro marido, Seixas; ele, porém, já está arranjado para outra. Aurélia coage o tio, então, a fazer com que esse plano de casamento seja desfeito. Armando para desmanchar o outro casamento, Lemos rearranja a noiva e faz uma oferta de um dote alto para Seixas, não revelando a identidade da nova pretendente. Lemos argumenta que a garota também não saberia do casamento, mas seria necessário casá-la com um sujeito decente antes que alguém viesse lhe roubar a fortuna – o que, é claro, era mentira já que Aurélia que tinha arquitetado tudo.
Apesar de declinar inicialmente, Seixas tem um dia de múltiplas desventuras econômicas e, no desespero de casar a irmã, aceita se casar com a mulher misteriosa por causa do dote. Em uma visita guiada por Lemos, ele descobre que a mulher era Aurélia, figura tão admirada e seu antigo amor.
Fascinado por tal coincidência, os dias se passam e afinal chega o dia do casamento. Os dois noivos parecem muito felizes e toda a sociedade presente admira tal sorte. Ao ficarem sozinhos na primeira noite nupcial, porém, Aurélia humilha Seixas, dizendo que havia comprado um marido e que ele era um homem vendido. Espantado, Seixas ouve a mulher contar sua história.
A segunda parte do livro é dedicada para explicar o que teria levado Aurélia àquela noite. A jovem começa a narrativa com a história de seus pais. Seu pai, Pedro, era filho bastardo de um rico fazendeiro; Emília, sua mãe, vinha de uma família grande. Apaixonados, os dois decidem se casar, mas nenhuma das duas famílias apoia isso. Emília, rebelando-se, foge de casa e casa com Pedro de qualquer forma.
Os dois passam a viver juntos em uma casa simples. Até que certo dia Pedro recebe uma carta de seu pai, intimando-o a ir vê-lo na fazenda. Lá, Pedro não tem coragem de enfrentar o pai e esconde o casamento. Resignada, Emília aceita. O casal só se vê quando Pedro vem para a corte; mesmo assim, Emília engravida duas vezes.
Aurélia e Pedro Camargo são os frutos de tal união. No dia em que Pedro – esposo – é intimado pelo pai a casar-se, delira de covardia e morre sozinho. Arrasada com essa perda, Emília adoece e se esforça para sustentar a família, que passa cada vez mais necessidades. Pedro Camargo não possuía gênio para fazer carreira; apesar disso, Aurélia o ajuda a manter o emprego. Chega o dia, porém, que o garoto adoece e morre como o pai.
Aurélia, portanto, fica sozinha para cuidar da mãe. Emília nunca reclama, mas declara o desejo de ver Aurélia, ainda menor de idade, casar-se para que ela não fique sozinha no mundo. Para atender ao desejo da mãe, Aurélia passa os dias a janela. Por muito tempo, nenhum pretendente digno aparece. Até que Seixas passa um dia à sua janela.
Os dois se conhecem e Aurélia se apaixona por ele. Nega outro pretende mais rico, Abreu, por não querer se casar sem amor. Seixas promete casar com ela, mas mais tarde a troca por Adelaide, por causa do dote. Descrente do amor, Aurélia desanima diante da vida e ela e a mãe passam cada vez mais necessidade.
Até que um dia aparece a sua casa um senhor; é o avó de Aurélia, pai fazendeiro do falecido Pedro. Este declara ter encontrado a certidão de casamento de Emília e Pedro e está pronto para reconhecer a família. Ao voltar para a fazenda, porém, passa raiva com enteados e acaba falecendo. Nesse meio tempo, Emília tem uma de suas crises e também vem a morrer. Desta forma, logo Aurélia fica órfã.
Ela é acolhida pela sua parente mais próxima, a viúva D. Firmina. Logo, entretanto, chega a notícia que ela herdou uma fortuna do avô falecido. Diante do dinheiro, Aurélia vê todos os que a tinham abandonado se voltarem para ela e lhe prestarem auxílio.
Revoltada com tal atitude interesseira, ela passa a morar sozinha com D. Firmina e, depois de meses, frequentar a sociedade fluminense. Precisando de um marido, ela escolhe Seixas. Terminada a narrativa, os noivos se confrontam. Seixas, humilhado, aceita que se vendeu e diz que não a ama mais. Abalados, cada um parte para o seu quarto.
A terceira parte retrata a vida dos dois casados. Sempre se tratando de formas sarcástica quando estão sozinhos, Aurélia e Seixas se esforçam para manter a aparência do casal perfeito. Eles, porém, mal conseguem passar um tempo juntos. Seixas está sempre a se sentir humilhado e Aurélia, sempre frustrada por causa da falta de dignidade do marido. Os dois nem tocam um ao outro, e dormem em quartos separados. Passado os meses inciais, Seixas volta a trabalhar como jornalista.
Cada vez mais encantado com Aurélia, porém, Seixas mal percebe que se apaixona por ela. Aurélia também ainda o ama e fica feliz quando vê que ele está chegando cada vez mais perto do homem ideal por quem ela se apaixonara. Sempre interrompidos ou com mal-entendidos, porém, os dois não se acertam.
Nos últimos capítulos do livro, porém, Seixas a chama em particular e mostra que conseguiu acumular a quantia pela qual “foi comprado”. Restitui essa quantia a Aurélia e assim se põe livre do compromisso do casamento. Arrependidos, porém, os dois confessam o que sentem um pelo outro e que o interesse pelo dinheiro havia impossibilitado que ele se concretizasse antes. Perdoados, deixam o dinheiro de lado e começam do zero o casamento.
No decorrer do livro, é muito claro a crítica que Alencar tece à sociedade de aparências e ao casamento por interesse. Reforça, contudo, a santificação – cristã – do casamento e a mulher pueril, intocável. Dessa forma, é construído um romance de costumes, que retrata a sociedade aristocrática fluminense do século XIX.
Em meio a capítulos adornados de uma beleza ora simples ora ostensiva, Senhora narra uma história de um amor corrompido pelo dinheiro. O amor, porém, dos dois é maior do que o dinheiro e no final eles conseguem se perdoar; Seixas com um caráter mais nobre e Aurélia uma esposa dedicada, dona de um amor pueril.