gabriel 14/04/2023
Schopenhauer lê Aristóteles
Achei bem interessante esse livro, muito mais do que eu estava esperando. Em alguns lugares, ele vem com o subtítulo "38 estratégias para vencer debates", o que apela para um lado mais pitoresco e mais "autoajuda", que está bem ao gosto das leituras mais recentes. Mas é um livro muito mais sério que isso.
Aqui, ele baseia boa parte deste pequeno tratado nas suas leituras de Aristóteles, principalmente (mas não reduzido a isso) nos Tópicos daquele autor. O conhecimento, então, do filósofo grego é desejável, porém não pré-requisito para o aproveitamento da leitura, até porque boa parte dos itens analisados são muito bem explicados pelo autor.
Não sou um grande leitor de Schopenhauer, tendo lido apenas trechos do seu "Mundo como Vontade e Representação" (sendo esta, provavelmente, sua obra magnânima) e uma coisa e outra aqui e ali. Aqui temos um texto bem curto, muito objetivo, e de leitura muito rápida, o que é uma vantagem para quem quer conhecer o autor rapidamente.
No entanto, não recomendaria exatamente este livro para se aventurar na filosofia do autor, pois apesar da sua (relativa) facilidade, não entra nos temas mais importantes dele, como por exemplo, o seu próprio conceito de "vontade", que tem um papel importante na sua forma de pensamento. Aqui, a vontade aparece transversalmente, recortando o texto, mas não é problematizada diretamente (apenas assumida, e de maneira um tanto informal, tendo papel na formação da "maldade" ou da "teimosia" humanas).
Cabe também anotar que a dialética aqui apresentada nada que tem que ver com aquelas dialéticas do Hegel ou então do Marx, que possuem um sentido bastante diverso. Aqui, é uma dialética muito mais simples, quase sinônimo de "debate", retomando um pouco o conceito dos antigos gregos.
Mesmo assim, Schopenhauer se insere entre autores que eu chamaria de "pensamento materialista simples" (ou então "materialismo em sentido amplo"), no sentido de tratar assuntos geralmente tomados idealmente de maneira bastante objetiva. Neste sentido, se aproxima bastante de Marx e de Maquiavel, pois estes são autores que dispensam a análise do mundo "como ele deveria ser" e passam a analisá-lo "como ele é" (o primeiro, em sentido histórico-econômico, e o segundo, politicamente).
Aqui, Schopenhauer faz algo parecido. Ele analisa os debates como eles são, e não como eles deveriam ser, uma abstração idealista, bonitinha, em que todos estão em busca da verdade e todos se cumprimentam ao final. Schopenhauer nutre zero ilusões em relação a isso, e algumas das táticas são, por exemplo, "injuriar a outra pessoa", tornando-nos "ofensivos, rudes e ultrajantes", com o objetivo de causar abalo emocional (e, portanto, a vitória no debate).
No entanto, é preciso entender o sentido filosófico disso. Ao contrário da lógica, não existe uma verdade apriori (antes da discussão), que se desenrola com o mero desdobramento da razão. Não existe uma dedução ou mesmo uma inferência. O debate (ou seja, a dialética) parte do princípio de que ninguém sabe a verdade. Cada um não sabendo nada, cabe a cada um colocar a sua opinião "na vitrine", para isso travando uma luta sangrenta. Eis a dialética (conforme concebida por Schopenhauer).
Mesmo não sendo grande leitor do mesmo, gosto (pelo pouco que eu li) do seu estilo direto e que prima por uma profunda clareza, bem como a honestidade do seu pensamento. O "Mundo como Vontade e Representação", ainda que mais complicado que este, também é marcado por este mesmo estilo, bem como por importantes características literárias. Em resumo: o cara sabia escrever.
Vale arriscar, a edição que eu peguei (do Grupo Folha, dentro da sua coleção "Os Pensadores") é pobre, só copiaram e colaram o texto, sem nenhuma nota de tradução ou qualquer contexto. Isso é péssimo, pois seria interessante entender as circunstâncias da sua publicação e de seus objetivos com isso.
Esta coleção da Folha não deve ser confundida com a excelente coleção da Abril "Os Pensadores", ambas tem o mesmo nome, mas a da Folha (mais recente) é mais pobre, opta por escolher textos secundários (como este daqui, por exemplo) e não ir nas grandes obras. Também não conta com revisão e introdução de especialistas, como a coleção clássica da Abril.
De modo que, inicialmente, eu não a recomendaria, apesar das capas serem bonitas e de ficarem bem na estante (e não estou sendo irônico aqui; é uma preocupação legítima de algumas pessoas). O texto em si é bom, duvido muito de sua aplicação prática, a maioria das estratégias empregadas são feitas intuitivamente, é divertido ver como a maioria faz as coisas que ele falou sem nem pensar.
A última parte, que deixa disponível alguns fragmentos, é bastante importante para entender as diferenças entre a visão de Schopenhauer da dialética e a visão de Platão, Aristóteles e alguns autores romanos, o que ele faz de maneira sintética e clara. Também diferencia a dialética da lógica e da sofística, explicando muito claramente cada um deles.
Trata-se, então, de um texto bom e rápido para entender algumas implicações de temas retóricos/lógicos dentro da filosofia e algumas de suas aplicações práticas. Recomendo, apesar da edição específica da Folha ser preguiçosa e pobre, devendo ser buscadas edições alternativas.