zeguilhermespp 24/01/2023
Um mergulho profundo (até demais) no mundo da arte islâmica
Meu nome é vermelho é o primeiro romance que leio do Nobel turco Orhan Pamuk. No livro, Pamuk narra duas histórias intimamente ligadas: uma é policial e instigante; a outra, de amor, um pouco mais lenta. Na Istambul do fim do século XVI, capital do poderosíssimo Império Otomano, um pintor é assassinado enquanto trabalhava em uma obra encomendada pelo próprio sultão. O inusitado detetive que vai investigar esse sinistro é o Negro, que volta a Istambul após uma ausência de 12 anos, determinado a se casar com sua paixão de infância, a irresistível Shekure.
Esse é, em linhas gerais, o enredo do livro. A partir dessa premissa, Pamuk constrói uma teia narrativa complexa e polifônica, que abrange mais de quinze narradores (dentre eles, uma moeda e o próprio Diabo). Se essa proposta soa invovadora na forma, na entrega não me agradou tanto. Apesar de ter curtido sobretudo os capítulos de narradores inesperados (como uma árvore ou a cor vermelha), senti que essa dispersão foi um entrave ao aprofundamento dos personagens. Mesmo após quase 600 páginas, consigo citar apenas algumas características dos principais narradores desta história (o Negro é apaixonado por Shekure, que só se importa com o bem estar dos filhos; Ester é escorregadia e manipuladora, enquanto o Tio é um admirador das novidades da arte europeia). Esse elenco me pareceu raso e, por isso, não me cativou, exceção feita a alguns momentos da trajetória da inteligentíssima Shekure.
Se o drama não contribui, então qual o traço distintivo de Meu nome é vermelho? A resposta é fácil: a incursão completa no mundo a arte islâmica, em geral, e da pintura otomana, em particular. Para mim, um jovem brasileiro do século XXI, foi maravilhoso percorrer os corredores dos ateliês otomanos e poder compreender, ao menos um pouquinho, a maneira como o Islã encarava, à época, a pintura. Era uma maneira radicalmente diferente da europeia porque, para os muçulmanos, não se pode pintas as coisas tais quais nós as vemos ? isso seria como tentar usurpar, de Deus, a posição de criador. Pintar um rosto humano à moda dos retratistas europeus seria idolatria. Afinal, por que colocar um ser humano no centro de uma imagem, senão para adorá-lo? O culto aos ícones era expressamente proibido pelo Corão.
O ofício dos pintores, assim, era sempre rondado pela sugestão do pecado, pela aura do proibido. A pintura podia ser feita, mas apenas para ilustrar as histórias dos livros (daí ser vista como uma arte inferior à caligrafia), e jamais deveria representar humanos reais, apenas rostos genéricos à maneira dos chineses. Portanto, quando a influência dos pintores renascentistas começa a penetrar nessa sociedade profundamente religiosa (a Europa também o era, é claro, não incorramos em orientalismos), cria-se um nó górdio: de um lado, autodenominados arautos do progresso técnico, defendendo a adoção da técnica de perspectiva; do outro, fundamentalistas religiosos que aproveitam a ocasião para atacar não só o avanço da técnica europeia, mas a pintura de modo geral; e, entre um e outro, os pintores. A tensão Ocidente-Oriente é muitíssimo bem trabalhada por Pamuk e esse aspecto de sua obra, inclusive, figurou na justificativa de seu Nobel em 2006.
Apesar da empolgação inicial, meu entusiasmo com a arte islâmica foi minguando conforme as centenas de páginas passavam. A grossura desse livro foi, pra mim, injustificável. Em alguns momentos eu chegava a me fartar de referências à tradição literária persa em conversas casuais entre dois personagens.
Meu nome é vermelho é um bom livro, sobretudo, pra quem gosta de história e de arte. Mesmo assim, poderia ser mais curto que as suas (longas) 576 páginas.