Ana 18/02/2021
Até o final do século XIX, uma longa tradição filosófica condicionou a definição de arte à ideia de beleza. As vanguardas do século XX, no entanto, trataram de abrir um abismo entre os dois conceitos, ao ponto de muitas vezes rechaçarem o belo como um atributo indesejável. O exemplo mais radical foi o Dadaísmo, cujo projeto de “abuso da beleza” (no sentido de violação, dado por Rimbaud décadas antes, em Uma Temporada no Inferno) era uma maneira de reagir moral e politicamente a uma sociedade bélica e colapsada que os artistas menosprezavam, como explicitado no comentário de Max Ernst:
“Para nós, Dadaísmo era acima de tudo uma reação moral. Nossa fúria visava à total subversão. Uma guerra horrível e fútil tinha nos roubado cinco anos da nossa existência. Tínhamos experimentado o colapso, rumo ao ridículo e ao vergonhoso, de tudo aquilo que nos era apresentado como justo, verdadeiro e belo. Minhas obras daquele período não pretendiam atrair, mas fazer com que as pessoas gritassem” (p.52)
Arthur C. Danto usa o Dadaísmo como o exemplo maior de toda uma arte cujos produtos, se forem percebidos como belos, estão sendo percebidos equivocadamente. Aqui entra uma crítica à narrativa da redenção estética, segundo a qual, mais cedo ou mais tarde, toda verdadeira obra de arte um dia será percebida como bela, bastando para isso somente o tempo e um pouco de educação artística. Essa insistência na beleza como critério de mérito de uma obra, além de supérflua, pode ser prejudicial na compreensão da maior parte da arte moderna.
Os ready mades de Duchamp são outro exemplo que Danto usa muitas vezes para ilustrar como a arte foi aos poucos se despindo de conceitos que, como a beleza, não lhe eram inerentes. A partir de um urinol ou caixas de esponjas de aço absolutamente comuns transformados em arte e expostos em museu, surge o problema de como distinguir dois objetos idênticos como um sendo artístico e outro não. Por que um urinol comum não é arte e o urinol de Duchamp é? Nós podemos até achar um urinol bonito na brancura da sua porcelana ou no seu formato, mas essa é uma consideração irrelevante para resolver o problema. Não é seu objetivo ser bonito.
É desse momento de ruptura, em que a arte pode abarcar praticamente qualquer objeto, ou até objeto nenhum, que Danto parte para fundamentar seu pensamento. O “fim da arte”, no sentido dado por ele no livro, seria uma oportunidade filosófica sem precedentes. Assim, com o legado das vanguardas, é possível criar uma definição de arte mais livre, universal e abrangente, impossível anteriormente. Além disso, e é este o ponto em que ele chega ao final do livro, toda essa discussão também serve para libertar a própria beleza da ideia de floreio ou futilidade, e devolver a ela um lugar de valor, ainda que não artístico, imprescindível para a humanidade.