taynee.mendes 16/07/2017
Elizabeth Gaskell: a Scheherazade britânica
A escritora inglesa Elizabeth Gaskell ainda é pouco conhecida em terras tupiniquins. Injustificadamente, é claro: seu nome é tão importante na literatura clássica inglesa que figura no Poet’s Corner, em Westminister Abbey, em Londres, ao lado de nomes mais conhecidos como a grande Jane Austen e o genial Charles Dickens. Aliás, foi dele que recebeu a carinhosa alcunha de “querida Scheherazade”, devido a sua habilidade em contar histórias.
Nascida em Londres, Elizabeth Cleghorn Stevenson Gaskell (1810-1865) foi autora de seis romances, vários contos e uma biografia de Charlotte Brontë, com quem se encontrou apenas duas vezes, mas manteve uma intensa amizade por cartas. Em seus livros, examina questões sociais de sua época, principalmente as consequências da Revolução Industrial no século XIX, a ascensão da classe média em uma arraigada aristocracia e a posição da mulher na sociedade. Sua obra mais representativa é, sem dúvida, Norte e Sul (1855), em que contrasta a vida industrial e “moderna” do Norte da Inglaterra com a vida do Sul, pacata e mais tradicional. O romance ganhou adaptação para TV pela rede britânica BBC em 2004.
A novela Uma Noite Escura foi publicada em 1863 – dois anos antes de sua morte – no formato de folhetim na revista All Year Round, de Charles Dickens, com o título A Dark Night’s Work. A trama conta a vida de Edward, filho de um advogado bem-sucedido; note: “apenas” um advogado e, por isso, era menosprezado pela pequena nobreza da região. Na Inglaterra vitoriana, ter dinheiro não significava muito se não fosse acompanhada de uma boa posição ou um título de nobreza. Naquele tempo, o dinheiro não comprava status. Mas Edward bem que tentou: tinha cavalos invejáveis, uma biblioteca enorme e quadros valiosos. Não era o suficiente para conquistar o respeito e admiração que tanto desejava. Casou-se com Lettice, de uma linhagem nobre e teve Ellinor como filha. Com a morte de Lettice, a menina se apegou cada vez mais ao pai, que mal sabia o que o destino reservava para os dois. Crescida, Ellinor se apaixona por Ralph, filho caçula da família Corbet. Ralph também a amava, porém seu amor acompanhava a ambição de se tornar juiz em Londres. E é sua ambição que pode colocar tudo a perder para os dois, principalmente após um grave acontecimento em uma noite escura que mudará para sempre a vida da família Wilkins.
Em Uma Noite Escura, Gaskell contrapõe duas concepções de modernidade. A primeira é vista de forma positiva na medida em que critica a espantosa discriminação de classes na Inglaterra, com seus motivos fúteis e valores questionáveis, evidente nas tentativas inúteis de Edward em pertencer à nobreza. A segunda é personificada na ambição de Ralph, um jovem que enxerga além de todos os preconceitos de classe e que enfrenta a sua família por causa do seu amor. Se Gaskell não vê com bons olhos o passado, tampouco vê um futuro industrial brilhante. No desenrolar do romance, a construção de uma ferrovia – com todo o seu simbolismo moderno – terá consequências drásticas na vida dos personagens.
Como em toda literatura inglesa clássica, é nos pequenos gestos que se revelam grandes personalidades. A maneira sutil de contar cada detalhe dos personagens faz com que o leitor mergulhe na história de cada um, desvendando motivações e temores profundos. Um estilo delicado, sim, mas não menos impactante. As cenas mais dramáticas que se seguem em Uma Noite Escura são contadas de forma serena e fria; uma frieza necessária para transmitir todo o horror ali presente.
Pelo tom obscuro, há quem diga se tratar de uma novela gótica, mas é possível ver traços realistas que ultrapassam a barreira do tempo e da história: pessoas materialistas com grandes ambições, capazes de tudo para atingir seus objetivos. Não muito diferente dos dias atuais. A mensagem do livro, tipicamente vitoriana, é clara: toda ação tem consequências, porém, alguns, como a doce e inocente Ellinor, costumam pagar um preço mais alto que outros.
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