Tamires 07/04/2017Uma Noite Escura, de Elizabeth GaskellQuando Charles Dickens colocou a alcunha de pequena Sherazade em Elizabeth Gaskell ele não estava sendo apenas elogioso com a autora de quem foi editor. Certamente, tinha a visão de que as histórias dela venceriam as barreiras do tempo e ganhariam leitores mundo afora. E foi bem isso que aconteceu! Desde que li Margareth Hale (Norte e Sul), O Chalé de Moorland, Lizzie Leigh e Esposas e Filhas tenho comprovado a qualidade de Gaskell em nos envolver em suas narrativas. E com Uma Noite Escura não foi diferente.
Publicado originalmente em 1863, Uma Noite Escura inicia-se com a história de Mr. Wilkins, advogado e membro de uma família abastada, mas que não pertencia a uma linhagem nobre, o que era muito importante em seu meio, especialmente tratando-se da Inglaterra Vitoriana. Era sempre depreciado, embora circulasse nas mais altas rodas. Casa-se então com Lettice, uma moça de linhagem nobre, mas isso pouco muda a forma como as pessoas o veem. A esposa é modesta e caseira, não era amante da vida em sociedade, mas Edward Wilkins era um homem soberbo, sempre gastando mais do que deveria em extravagâncias que em nada acrescentavam ao seu intelecto.
Alguns anos depois de casados, Lettice morre deixando o marido e duas filhas, uma bebê e uma criança de seis anos. Certo tempo depois, a mais nova falece, restando da família Wilkins apenas Ellinor e seu pai.
Os dois tornam-se muito apegados e extremamente profundo era o afeto entre eles. A vida era pacata em Hamley, e os Wilkins tinham poucos amigos. Dentre eles estava Mr. Corbet, o qual viria a ser noivo de Ellinor assim que ela começara a transparecer a beleza da mocidade. Ellinor apaixona-se por ele ainda bem jovem, já o rapaz percebe a beleza e as virtudes dela após passar uma temporada afastado de Hamley, em Londres.
As páginas vão passando e, confesso, fui achando a história meio morna. Ellinor mostrava ter um caráter parecido ao de sua mãe, uma mulher simples e sensata. Já Mr. Corbet até parecia nutrir sentimentos verdadeiros pela moça, mas sua real paixão era a advocacia e o desejo de tornar-se juiz. Sendo o filho mais novo de sua família, ele reflete e chega à conclusão de que Ellinor não seria tão ruim assim para esposa, tendo em vista que era a única filha de um rico advogado. A família Corbet era de linhagem nobre e tinha em seu círculo pessoas que conheciam e ridicularizavam Mr. Wilkins. O homem era tido como vulgar em toda a parte, mas sua filha poderia vir a se tornar uma boa Mrs. Corbet. Pelo menos assim pensava o rapaz e, portanto, planejava conseguir a benção de sua família.
“As pessoas da vila neste condado imbecil caçoam de mim porque meu pai vai até os Plantagenetas em busca de sua árvore genealógica, e negligenciam Ellinor. Só aturam o pai porque o velho Wilkins era filho de sei lá quem. Muito pior para eles, mas melhor para mim neste caso. Estou acima desses preconceitos bobos e antiquados e ficarei feliz quando o momento apropriado chegar de fazer Ellinor minha mulher. Afinal, a filha de um advogado próspero não deve ser considerada um par inadequado para mim, filho caçula que sou. Ellinor será uma mulher estonteante dentro de três ou quatro anos, exatamente o tipo que meu pai admira. Que corpo, que braços torneados. Serei paciente, darei tempo ao tempo, e atentarei para as oportunidades e tudo vai dar certo.” (p. 39 e 40)
Em meio aos planos do matrimônio algo acontece. Sim, o tal acontecimento que remete ao título (principalmente ao original, A Dark Night’s Work, “o trabalho de uma noite escura”, em tradução literal para o português). Fique tranquilo, pois o acontecimento não será revelado nesta resenha! Apenas digo que foi uma grande surpresa, pois eu imaginei que seria algo diferente. Felizmente não procurei nem tropecei em spoilers sobre o livro, garantindo o meu susto com o acontecimento nesta primeira leitura.
Nem todos percebem ou sabem a verdadeira razão, mas a vida da família Wilkins e de um de seus empregados mais próximos, Dixon, muda completamente. Existe algo importante e sério pairando no ar e isso acaba despertando a atenção de Ralph Corbet. Ellinor se divide entre guardar um segredo ou revelá-lo àquele que será seu esposo a ponto de estremecer sua vitalidade. Com medo de que possa haver algo na família de sua noiva que prejudique seu futuro profissional, Mr. Corbet começa a dar sinais de que não está mais tão interessado em manter seu compromisso com Ellinor.
“Em resumo, o contraste com a outra arrumação perfeita e com um frescor admirável abateu impetuosamente sobre as percepções de Ralph, que eram mais críticas que compreensivas. E como seu amor sempre foi submetido ao intelecto, o rosto admirável de Ellinor e sua figura graciosa correndo ao seu encontro não recebeu sua aprovação, porque seu cabelo estava com um penteado cafona, seu corpete estava muito longo ou muito curto, as mangas largas ou apertadas demais para o padrão de moda ao qual seus olhos tinham sido acostumados ao esquadrinhar as damas de honra e as várias mulheres de alta estirpe no castelo de Stokely.” (p. 110)
“Ellinor, com o fino tato propiciado pelo amor, tinha descoberto a irritação do seu amado nas várias e pequenas impropriedades com a família à época de sua segunda visita no outono anterior, e se empenhou em tornar tudo tão perfeito quanto possível antes que retornasse. Mas ela passava por maus bocados. Pela primeira vez na vida havia uma escassez de dinheiro.” (p. 111)
“Que proveito teria em manter o noivado com Ellinor? Teria uma esposa frágil para cuidar, além das despesas comuns da vida matrimonial. Um sogro, cujo caráter, na melhor das hipóteses, era respeitado apenas localmente e até isso estava se perdendo dia após dia em razão de hábitos sensuais e vulgares; um homem também, que transitava de forma esquisita da viva jovialidade ao enfado mal-humorado. Ademais, duvidava se, no caso de evidente variação na prosperidade da família, a fortuna a ser paga na ocasião do casamento com Ellinor seria acessível. Sobretudo, e ao redor de tudo, pairava a sombra de uma desgraça não revelada, que poderia vir à tona a qualquer momento e emaranhá-lo.” (p. 114)
A partir daí, a história que eu achava ser morna toma contornos muito interessantes. Todo o suspense em torno do acontecimento torna a leitura rápida e a ansiedade por saber como tudo vai acabar fez com que eu terminasse o livro rapidinho! Uma Noite Escura é mais uma grande história de Elizabeth Gaskell que nós, leitores brasileiros, agora temos o prazer e a oportunidade de ler em nossa língua.
Tenho na fila de leitura Cranford e todo e qualquer outro título de Gaskell a ser publicado em português, certamente pela Pedrazul Editora, que tem se colocado como a casa dos clássicos ingleses no Brasil.
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http://www.tamiresdecarvalho.com/resenha-uma-noite-escura-de-elizabeth-gaskell/