Pedro 10/02/2023Fenômeno de 2010 na Holanda, Bonita Avenue foi finalista de seis premiações e venceu quatro delas, entre elas os tradicionais prêmios ANV Debutantenprijs e o Anton Wachterprijs.
"Suas lembranças mais felizes servem apenas para deprimi-lo ainda mais." (p. 511)
Nesta obra conhecemos a (aparente normal) família Sigerius a partir de três perspectivas. Primeiro Siem Sigerius, o patriarca bem sucedido professor de matemática e reitor da Universidade de Twente, nos Países Baixos. Em seguida a bela Joni (nomeada em homenagem a Joni Mitchell), enteada do Siem, e por fim o fotojornalista Aaron Bever, namorado ciumento da jovem. Essas três perspectivas estão mescladas entre tempo passado e presente, com narrativa alternada entre terceira e primeira pessoa. Isso faz sentido porque a história é marcada pelo desastre em Enschede no ano de 2000, quando houve a explosão de uma fabrica de fogos de artifícios que levou a óbito 20 pessoas e deixou outras 500 feridas. O incêndio acabou se alastrando até a residência de Aaron Bever, que por sorte não se encontrava em casa, mas simbolicamente as chamas desse desastre se alastram pelas relações dessa família.
"Levava uma existência inteiramente sem objetivo. Sua motivação na vida era evitar: evitar estímulos, evitar excitação, evitar a própria motivação." (p. 19.)
Siem possui um emprego formidável e está cotado para assumir um cargo de maior responsabilidade: ser ministro da educação. No entanto, mesmo com um passado de sucesso na carreira de judô em que teve que se aposentar por causa de uma lesão no joelho e uma família exemplar, esse homem que para os outros é brilhante, vai revelando aos poucos a sujeira que guarda debaixo do tapete. Estamos diante então de tabus para falar sobre sexo, sua impotência sexual, relacionamento extraconjugal e o filho criminoso Wilbert, fruto do primeiro relacionamento, que acabou de sair da prisão e com quem ele não quer contato para não manchar a sua imagem. Temos em Siem o personagem psicologicamente mais bem elaborado da trama.
Já Joni, apesar de ter tudo do bom e do melhor, junto ao seu namorado, impulsionada também por um fetiche exibicionista, passam a vender fotos sensuais em sites de pornografia. E estamos falando aqui do inicio dos anos 2000, onde tudo na internet ainda era escasso. Os pioneiros fazem uma fortuna comprando roupas de grifes, equipamentos fotográficos de alta qualidade e até um barco de 1,5 milhão de dólares que não caberiam no orçamento de jovens comuns, mas claro tudo em segredo para não gerar desconfiança. Talvez aqui se encontre o maior erro do companheiro de Joni: acreditar que aquela mulher, linda e inteligente, seria reduzida a futura mãe dos seus filhos.
Mas é a partir do recém vicio em pornografia, ao navegar pela internet em seu site favorito com mulheres de todos os tipos, que Siem avista uma jovem muito similar a sua enteada e passa não só a desconfiar dela como também a investigá-la, o que abre espaço para encontrar as respostas que dão inicio ao ruir de uma família com bases já carcomidas.
"Sentia vergonha do que fazia, achava que fosse doente, que não era normal, sobretudo depois de descobrir que havia uma palavra especial para seus interesses peculiares, uma palavra que, mesmo após todos esses anos, ele ainda odeia." (p. 315)
Este é um romance em que o autor não entrega uma trama linear, aos poucos o leitor ao longo do livro tem a tarefa de ir montando o quebra-cabeça com doses homeopáticas que avançam e retroagem constantemente. Apesar do autor entregar o grande ponto no inicio da trama, é de reconhecer sua habilidade em manter preso o leitor nessa forma de narrar, dando a tarefa de ligar os pontos e ainda apresentar uma reviravolta do meio para o final do livro que soa, em determinado sentido, tragicômico e gera um sentimento gritante de vergonha alheia em situações criadas que deixariam qualquer um em uma saia justa.
Por ser um romance longo, Peter Buwalda teve espaço para abordar temas como distúrbios alimentares, adultério, pornografia, doença mental, suicídio, assassinato em meio a personagens moralmente quebrados e de egos inflados. Para os amantes de histórias que giram em torno de crises familiares, encontrará aqui uma leitura capaz de satisfazer esse gosto. Por outro lado, dificilmente conseguirá se identificar com as personagens criadas pelo autor, é possível sim compreendê-las (ou tentar), mas difícil ter empatia, uma vez que são reais demais, de uma forma a desacreditar na humanidade. Ele traz a hipocrisia das gerações, que no passado agiam da mesma forma daqueles que hoje criticam, com seu falso moralismo e expõe uma fingida vivencia nas hierarquias sociais, seja num cargo de respeito ou até mesmo entre simples vizinhos.
“Você não faz ideia do que é o tempo. Nunca passou mais do que uma hora irritada com alguma coisa. Não faz ideia do que seja raiva de verdade. Como é ficar sendo consumido pela raiva durante uma semana, um mês, três meses." (p. 356)
Ainda sobre o tamanho da obra, é possível reconhecer que o autor se alongou com digressões em determinadas passagens, soando prolixo e dando a ideia de que poderia ter passado por um processo de edição afim de deixar o texto mais enxuto e direto, da mesma maneira sentimos que alguns personagens são muito bem trabalhados, em contra ponto outros ficam em segundo plano (embora estejam no centro da trama) com perguntas sem respostas ao final da leitura.
Bonita Avenue é um romance que destrincha a hipocrisia humana, dá uma descrença na humanidade e nos torna membros de um grupo familiar com relacionamentos frustrados do qual não gostaríamos de fazer parte.
site:
http://www.decaranasletras.com/2023/01/bonita-avenue-de-peter-buwalda.html