Flávia Menezes 06/02/2023
EVITE CONFUSÃO: NÃO SUPONHA, PERGUNTE!
?Felicidade Conjugal? é uma novela juvenil do escritor russo reconhecido como um dos maiores de todos os tempos, Lev Nikolaevitch Tolstoi, escrita em 1859 e publicada no diário ?Russkij vestnik?.
Nesta história, acompanhamos uma jovem de dezessete anos, Mashechka (Masha), que no auge do sofrimento da sua prematura orfandade, conhece no homem mais velho, já em seus trinta e seis anos de idade, e amigo há anos da família, Sergey Mikhaylych, o seu primeiro amor.
É encantadora (e bastante poética!) a forma como Tolstói nos apresenta essa narrativa tão emotiva, e repleta dos pensamentos sonhadores de uma jovem apaixonada pela primeira vez na vida. E que maestria ele tem para falar de sentimentos femininos com tanta profundidade! Cada página é uma experiência tão apaixonante, que foi impossível não me sentir tão conectada (e identificada!) com essa protagonista.
Apesar de ser bem jovem, Masha é uma garota de muita bravura, que não tem medo de se entregar à uma vida de casada, nem de amar um homem que se mostra tão difícil e tão cheio de concepções com toda a sua disposição. De fato, o tamanho da minha empatia por Masha é igualmente proporcional ao meu incômodo com Sergey.
Muito embora a ?vida matrimonial? não seja tão encantadora e cheia de alegrias quanto uma jovem de dezessete anos acredita que possa ser, e a rotina venha com sua seriedade entediante para deixar as coisas mais complicadas e repetitivas, ainda assim, eu confesso que vi Masha muito mais preparada para assumir seu papel de esposa do que o Sergey, que se considerava tão maduro.
A verdade é que por mais inexperiente que Masha pudesse ser, ainda assim, ela é uma jovem mulher de coragem que se joga sem medo, e que por isso mesmo, estava muito mais pronta para viver o que a vida lhe oferecia, sem se apoiar em expectativas, do que o marido. Enquanto isso, Sergey podia ter a maturidade da idade, mas no coração era um menino despreparado que tinha medo de amar, e que, por conta disso, passou o tempo todo pressupondo saber o que Masha pensava, ou sentia. Sem nem ao menos dar a chance a ela de dizer!
A menos que você tenha poderes sobrenaturais, ou seja telecinético(a), não adianta dizer que sabe o que o outro pensa, ou o que ele deseja. Se você não lê mentes, então só existe um caminho para saber o que o outro pensa, ou o que existe em seu coração, que é perguntar. E isso foi algo que me fez sentir tão incomodada com esse personagem, Sergey, que cheguei até a considerar dar apenas 3 estrelas para esse livro, porque esse é um erro tão comum, mas tão nocivo, e que precisa a todo custo ser evitado.
Se nos déssemos conta de que muitos dos nossos problemas de relacionamento (seja ele qual for: amoroso, familiar, amizades, ou mesmo relações de trabalho) poderiam ser evitados apenas fazendo perguntas...
Existe uma frase que já circulou muito na internet (da qual eu não conheço a autoria), mas que diz assim: ?Não suponha nada como garantido! Se tiver dúvidas, esclareça-as. Se suspeitar, pergunte. Supor as coisas te faz inventar histórias incríveis que só envenenam tua alma e não têm nenhum fundamento. Por isso, não suponha?.
Por muitas vezes, somos tentados por essa vozinha maligna interna (cujo nome é insegurança, e que todos nós estamos fadados a ter), que nos faz acreditar em coisas terríveis sobre o outro. E muitas dessas inseguranças não são meras fantasias, mas sim fruto de uma vida de confiança que foi quebrada, e cujas cicatrizes ainda estão em nós para nos lembrar que nem sempre as pessoas nos corresponderão na mesma medida.
É claro que quando se trata do nosso coração, quanto mais velhos (que palavra feia... Mais maduros, mais experientes...) ficamos, mais armados nos tornamos. Só que essa resistência toda nos coloca em um lugar de isolamento, porque não é possível se relacionar, sem confiar. E confiar é um risco que assumimos muito corajosamente.
Não é possível passar pela vida sem se arriscar. Não importa em que área seja. E nas nossas relações também é assim. E não adianta querer viver como um eremita, porque uma hora ou outra acabamos tendo que nos sujeitar. Isso é inevitável.
Afinal, não é possível dizer que você nunca precisará se sujeitar a um procedimento cirúrgico, e quer um momento de maior confiança do que entregar a sua vida nas mãos de um médico que você nunca viu, ou com quem tem pouca intimidade? Viu? Não existe forma de fugir de aprender a confiar. E nessas horas, você vai se arrepender de não ter confiado em alguém que estava ao seu lado, te amando com paciência e pedindo para segurar a sua mão.
E nisso, Sergey foi a representação perfeita da pessoa que acredita saber tudo sobre o outro, e definir a vida dela por conta dos seus próprios medos e suas convicções. Não foi Masha quem condenou a relação com a sua imaturidade por ser ainda tão jovem, mas Sergey por ser tão covarde para ter lutado por Masha.
Desde o começo, se não fosse por ela, o relacionamento deles teria fadado ao fracasso sem ao menos ter tido a chance de começar. Se não fosse pela bravura de Masha de dizer com todas as palavras o que sentia, Sergey não teria confessado que também tinha sentimentos por ela, porque ele tudo guardava. E quer coisa mais covarde e injusta do que guardar amor (sim... fiquei com ranço!)?
Sergey era um homem fraco, que acreditava tanto que Masha iria decepcioná-lo, que acabou se decepcionando por sua própria culpa de não ter lutado pelo seu amor. Por não ter dito o que queria, e tê-la feito ver seus medos pela diferença de idade e de expectativas de vida. Ele foi um homem que se colocou como um derrotado, e deixou sua jovem esposa exposta, porque ?achava? que ela queria ser livre para viver tudo o que a sua juventude tinha a lhe conceder. Quando tudo de que ela precisava era de um homem forte, viril, que quisesse desfrutar da vida ao lado dela, e que lhe impusesse sim a sua vontade. Porque um casamento não é só abrir mão, mas dizer o que se aceita ou não. E para isso, é preciso sinceridade, honestidade, verdade!
Para se viver em dois é preciso, primeiro, ser leal a você mesmo. Porque não é egoísta não querer abrir mão de certas coisas. Em colocar a sua vontade. Porque tem coisas que não são permitidas. E tudo bem. Isso é algo que pode ser conversado a dois, para que nessas estradas, possa ser achado um ponto de encontro!
E ela teria renunciado a muitos dos prazeres da juventude, para não ter que desistir de amar com todo o seu coração o homem com quem queria passar toda a sua vida. Mas Sergey era um homem morto para a vida, e a sua ausência na vida do casal é que fez com que seu casamento afundasse. E não o fato de que a paixão um dia se abranda, e que a vida conjugal nunca será apenas feita de momentos felizes. Existem outros motivos para as pessoas estarem juntas, e o que mais importa, nos momentos de dificuldades, é estarem juntos. Porque é na tempestade que as relações se fortalecem. Não nos momentos de calmaria.
Tudo bem... eu não vou me estender muito nisso, porque não sou nenhuma expert em relacionamento, e até acredito que ninguém seja. Mas tem uma coisa eu acredito é que amor não é um ato romântico de flores e poesias. Amor é parceria, é segurar na mão nos momentos mais difíceis, e acreditar que juntos, sempre seremos mais fortes. Posso estar errada na minha definição de amor, mas acho que cada um sabe o que o amor mais representa para si, e por isso é que eu quero terminar com uma das frases mais belas da fala poética de Tolstói, trazida pela voz da doce e corajosa Masha:
?Somente agora eu compreendia o porquê das suas palavras, no sentido de que a felicidade consiste unicamente em viver para outrem, e agora concordava plenamente com ele. Tinha a impressão de que, em dois, seríamos tão infinita e tranquilamente felizes. E eu imaginava não viagens ao estrangeiro, não o brilho, a sociedade, mas uma vida completamente diversas, quieta, familiar, no campo, com um eterno autossacrificio, com um eterno amor mútuo e com a eterna compreensão da Providência, sempre suave, sempre pronta a acudir em socorro?.