Coruja 01/01/2011A primeira leitura que fiz desse livro foi atropelada, no computador e com sono. Nessa segunda leitura, para ser totalmente sincera, eu gostei bem mais dele. Não vou dizer que ele se tornou um dos meus favoritos, mas saiu da zona de rebaixamento.
Quem já leu esse livro da Quinn costuma dizer que não houve lá um grande desenvolvimento do romance entre os personagens, que esse é um dos livros mais fracos da Quinn até pela forma como ela deixa de lado o humor e a leveza dos outros livros e investe numa coisa bem mais física e dramática.
Eu teria concordado, até fazer essa segunda leitura - agora, acho que houve um desenvolvimento do romance sim, só que de forma bem mais sutil, bem mais nas entrelinhas que os outros livros. Deixa eu começar fazendo algumas observações...
Não sei se já perceberam que, de uma forma geral, quase todos os protagonistas da Quinn têm uma reputação de conquistadores, mas que a gente só escuta falar nessa reputação e nada realmente aparece? As exceções, ao que eu me lembre, ficam para Dunford, cuja amante faz uma ponta jogando coisas pela casa quando ele vai atrás dela para terminar as coisas e Anthony, que teria seduzido a cantora de ópera na biblioteca se não fosse pela Kate.
Michael, como todos os outros, tem uma reputação tenebrosa - que é, inclusive, uma das razões do título. Mas desde a primeira linha do livro, essa reputação fica para trás e ele nos aparece como um dos heróis mais absolutamente fofos da Quinn. A adoração que ele tem pela Francesca, a forma como ele está completa e irrevogavelmente sintonizado com cada mínimo gesto dela, a forma como ele constantemente se sacrifica e se martiriza por sua consciência... sério, ele é adorável. No mais das vezes, é difícil lembrar dessa reputação enquanto estamos lendo.
Mas aí que está... é difícil para a gente lembrar... mas provavelmente esteve no pensamento da Francesca o tempo todo, ainda que de forma inconsciente. E isso, provavelmente, é um dos fatores que a deixa tão confusa. Por melhores amigos que eles sejam, por mais que ela saiba que ele tem um coração de ouro, que ela pode confiar nele; é difícil ignorar uma vida que foi calculadamente vivida de forma dissoluta e propositalmente sob os olhos dela.
Essa idéia está implícita no texto e, por isso, nem sempre nos damos conta desse detalhe. É fácil descontar tudo na Francesca, dizer que ela é fria, uma pedra de gelo e etc, etc, etc... mas, ao contrário dos outros Bridgerton, nós praticamente não temos contato com ela em nenhum dos outros livros - ela aparece brevemente de An Offer from a Gentleman, depois casada com o John e depois viúva do John.
Talvez por isso seja mais difícil sentir empatia por ela - até porque, nesse livro, os papéis se invertem e é o herói que se apaixona pela heroína primeiro; e não o contrário. Como não estamos exatamente acostumados com isso, a gente acaba estranhando a Francesca.
Mas, depois de ler a história sem os mesmos preconceitos da primeira vez, eu me identifiquei mais com ela. Primeiro porque sou um pouco parecida com Francesca, inclusive nos sentimentos em relação à família e necessidade de independência; segundo porque já passei por uma situação parecida com a dela e sei como a coisa toda é confusa e dolorosa.
Vamos convir: você ser de repente assaltada por uma declaração de uma pessoa que você conhece quase que a vida toda e que, aparentemente, te notou da noite para o dia de outra forma te deixa sem saber o que fazer; você tem medo de magoar o outro, de perder a amizade; não sabe como dizer não, e ao mesmo tempo, não consegue dizer sim.
Imagine então quando você joga na equação um terceiro vértice, o John, a quem os dois deviam lealdade, que os dois amavam e que é uma fonte quase inesgotável de culpa para ambos?
Então, é, eu consigo entender o ponto da Francesca, ainda que haja momentos em que sinta vontade de estrangulá-la, especialmente quando ela parece tratar o Michael como doador de esperma.
A questão do desenvolvimento romântico, como eu disse, é muito sutil e como o sexo vem para a frente da narrativa com a estratégia do Michael de seduzir o corpo da Francesca, de fazê-la precisar dele pela paixão, a gente acaba perdendo ela de vista. Mas está lá, na forma como eles se compreendem, na forma como sabem decodificar cada expressão do outro, na forma como se surpreendem e ao mesmo tempo sentem uma incrível familiaridade com as ações do outro; na liberdade com que eles conversam, na lealdade que demonstram.
Há duas passagens que eu gostaria de sublinhar. Primeiro, na página 23:
"Your responsabilities as Countess of Kilmartin do not include finding me a wife," he said.
"They should."
He laughed, which delighted her. She could always make him laugh.
E depois na página 90-91:
"I'm sure I will," he said, giving her a paternalistic smile that he knew she'd destest. "And when that happens, I promise you that I shall be duly prostrate with regretfulness, atonement, shamefacedness, and any other unpleasant emotion you care to assign to me."
And then she laughed, which warmed his heart far more than he should have let it. He could always make her laugh.
Não é coincidência que a Quinn tenha usado exatamente as mesmas palavras, as mesmas situações. É aquilo que a Janet escreve na carta para o Michael, no epílogo, "...but the is an understanding between the two of you, a meeting of the minds and souls that exists on a higher plane. You were, it is clear, born for each other."
Se Michael e Francesca tivessem se conhecido antes de John entrar na roda, eu não duvido que ela tivesse dito sim da primeira vez que ele a pedisse em casamento. Como houve John antes, tivemos de lidar com a culpa e a incapacidade de acreditar que, sim, pela segunda vez, você foi abençoada com alguém que te ama e que você ama também. Considerando que a maior parte dos simples mortais não encontra um amor como esse nem uma única vez, não é à toa que a Francesca nos dê uma certa raiva. O que ela fez para merecer tamanha sorte, afinal?
Não temos como saber. Para isso, precisaríamos de mais dados sobre ela, e quase não temos nenhum. O livro começa de uma forma quase abrupta, com um corte já depois do casamento de Francesca e John. Sabemos o que aconteceu, mas não como aconteceu; podemos apenas intuir.
Como disse desde o começo, o desenvolvimento da história está, na verdade, nas entrelinhas. Não digo que o desenvolvimento foi perfeito, e acho que algumas coisas podiam ser melhor trabalhadas - como a súbita decisão da Francesca de aceitar se casar com o Michael. Mas, numa segunda e menos atropelada leitura, eu gostei bem mais do livro.
O próximo da Quinn na minha lista é o It's in His Kiss, que é o meu segundo favorito da série dos Bridgerton. Cara, a Hyacinth me mata de rir. E tem Lady Danbury! Lady Danbury é uma das melhores personagens da Quinn - ela anima todos os livros em que aparece.
Mal posso esperar... hehehe...